Há dias dei comigo num aldeia de Riba-Côa, onde se procedia ao lançamento dum livro. Seja lá isso o que for, nunca vi lançamento mais literal!
O autor é um notável filho da terra, médico filantropo, homem exemplar. E o modo como faz eco das tradições antigas, dos gestos dum viver que só já existe na memória, é um acto de cultura que se aplaude. Os ciclos do trabalho, as festas colectivas da infância, a partida e as lágrimas dos que emigram, os afectos, as ausências, o envelhecimento da vida, são assuntos dominantes.
À entrada logo me pareceu que a aldeia estava em festa, perguntei a uma velhota quem era o padroeiro. Ela não me deu saída, e eu pasmei com a profusão de colchas nas janelas, com as mesas das vitualhas ocupando as ruas, com as várias patrulhas da guarda em serviço, com os dois porcos que uns bombeiros assavam num espeto. A praça principal abarrotava de gente.
Não havia, de facto, uma festa do orago. E toda aquela mobilização resultava da importância social do autor na sua terra. Venderam-se logo ali uns 400 exemplares. E tudo bem para os leitores, tudo melhor para a cultura, tudo excelente para os editores!
Ontem chegou-me o livro à mão. E é assim que reza o parágrafo primeiro da Introdução:
Os portugueses sempre estiveram envolvidos na descoberta de novos mundos. Ao longo dos séculos, essa predisposição para ultrapassar fronteiras e procurar territórios desconhecidos tem muito a ver com o nosso espírito de conquista, mesclado com uma alma aventureira. Contudo, a demanda de novas terras que aconteceu no último século...
Já não pude passar além deste bojador e fico-me por aqui!
Porque emigrar foi sempre, para este povo enjeitado por um país desgraçado, um gesto de sofrimento e desespero, o único modo de escapar à miséria. Dizer outra coisa é pintar quadros falsos, é alienar as mentes, é violar a realidade. É ficar do lado duma estreita elite de poderosos, que há séculos governa a vida tratando os portugueses como gado de exportação.
Estou cansado de lhe ouvir chamar a nossa gesta gloriosa, na voz daqueles que sempre cantaram de galo.