domingo, 12 de junho de 2016

Do Árctico ao Antárctico

É dia de mercado semanal, dia de fazer negócios, ver amigos. E um camponês que se preze nunca falta. Há plantitas a meter à terra, umas fruteiras... Se não for nesta altura é mais um ano que a horta fica frustrada, porque este Verão é fugaz. E eu lá me vou. 
A moça vende-me arandos que recebeu duns viveiros. Encontro-os e não resisto. Andei tempos infindos a descobrir o nome das Krähenbeeren, numa tradução que me tocou fazer. Eram as bagas que o maçarico-esquimó (Numenius borealis) encontrava na costa do Lavrador, quando se empanturrava de energia para descer o Atlântico num voo migratório ininterrupto, até aos mangais da Venezuela. Isto antes de o maçarico ter acabado extinto pela insânia dos homens. Estavam ali os arandos e comprei-os. E revi a história toda.
O maçarico-esquimó nidificava no Árctico. E migrava em seguida até ao sul da Patagónia, onde chegava pelo lado atlântico de todo o continente americano. Por lá andava até encontrar uma fêmea, até que as hormonas lhe lembravam o Árctico, onde o esperava o ninho na reserva do acasalamento. 
No regresso atravessava as planuras da América do Sul, passava por cima dos Andes, tocava no Pacífico nas praias da Colômbia, cruzava o golfo do México e atingia a Luisiana, as planicies sem fim do Oklahoma e do Texas, até que chegava ao Canadá. Era aí que o esperava um corredor da morte que o levou à extinção nos finais do séc. XIX.
Antigo alimento das tribos índias, o maçarico-esquimó foi abatido por caçadores e agricultores americanos que o caçavam às toneladas, e vendiam ao desbarato nos mercados de Chicago.
O maçarico-esquimó era um voador poderoso, e as suas viagens migratórias uma epopeia espantosa. O último chega à reserva sozinho, que a fêmea foi abatida numa planície do Texas. Descreveu-o em pormenor um biólogo canadiano, Fred Bodsworth, que lhe romanceou em 1954 a migração: O Último Maçarico-Esquimó. 
"Provavelmente extinto; avistado pela última vez perto de Galveston, Texas, em 29 de Abril de 1945." 
Não existe, até à data, uma edição portuguesa no mercado. E este escriba recebeu-o de prenda no Natal de 77, em tradução alemã.