O Festival Literário da Gardunha assenta nalguns equívocos. A ele acorre um público de leitores, que designamos assim. Vão para ouvir os autores e conhecê-los, e darem-se também a conhecer. Mas é um público sobretudo passivo. E os autores acabam a funcionar em circuito fechado, quando não a escovar uns aos outros a caspa da lapela.
Uns que gostam de se ouvir e outros de afagar o ego, todos omitem a questão essencial que é encontrar-se com os leitores, procurá-los e dar-se a conhecer, ouvir e dizer o que deve ser dito, e a troca de opiniões, e o debate das ideias, que é donde pode vir alguma luz. Esse debate não está previsto, não há tempo para ele nem acontece.
No Festival do ano anterior, ainda encontrei em Alpedrinha o João Ricardo Pedro, cujo primeiro romance O Teu Rosto Será o Último, tinha sido um furor de novidade. Este ano não o encontrei, acabara de lhe ler o Postal de Detroit, na minha opinião um trabalhito falhado.
Os autores presentes vinham todos da área do jornalismo, no domingo em que fui a Alpedrinha. Na mesa a que assisti era o Pedro Dias de Almeida, o Paulo Moura e o veterano José Carlos de Vasconcelos.
O Dias de Almeida reparte-se entre a Visão e a criação poética, e traz poesia lá nas tripas, assim decida um dia pô-la à mostra. O Paulo Moura escreve reportagens notáveis no Público, defende a deontologia profissional e não é pouco. O Vasconcelos vem do Artes e Letras e transporta na cabeça equívocos antigos sobre Literatura e Jornalismo.
Quando a mesa chegou ao fim do tempo programado, tinha eu a apresentar uma questão sintética e sucinta a cada um dos elementos da mesa. Perguntei ao moderador (outro jornalista) quanto tempo haveria para o fazer. E logo ele, impaciente, que era o tempo exacto de fazer as perguntas. Agradeci-lhe a desmedida generosidade, prescindi da intervenção e fui-me embora.
No caminho para o Fundão não encontrei ao chafariz da estrada as caixas de cerejas da estação, será desta Primavera traiçoeira . Nem obriguei o panzer a levar-me a Alcongosta, e à estrada romana da Portela, donde se vê a fronteira entre dois Portugais, o atlântico e o mediterrânico, conforme disse o prof. Orlando Ribeiro.
Vi-me grego, no Fundão, para encontrar um almocito. Porque do festival da Gardunha não vislumbrei um eco, um sobressalto. Parecia mesmo que a vila não sabia da notícia. Mas à tarde, na Moagem, havia a última mesa com a Clara Ferreira Alves, uma menina que já foi convidada Bilderberg e publicou aí um romancinho. E lá esperei para assistir.
O moderador era também jornalista. Tinha uma resma de perguntas nuns papéis, que lá foi desfolhando, enquanto ela se espraiava em peripécias mundanas que eu já lhe tinha lido no Pai Nosso. Quando a autora confessou que hoje em dia a Literatura dura pouco tempo, tão depressa mudam as modas e as atenções dos leitores, este leitor franziu a sobrancelha. Tinha umas contitas a ajustar com a Ferreira Alves. Mas olhou para o vade mecum do moderador, viu-o claramente a encher pneus e a fazer render o peixe, viu que lhe restavam muitas páginas e decidiu ir-se embora, que mora longe e tem mais que fazer.
O Festival da Gardunha é uma construção de equívocos, repetidos e contagiosos, a que este leitor não voltará. E estes autores fazem-lhe lembrar uns carvoeiros antigos, pois que torram em carvão o tempo, a paciência e os leitores. Ao mercado servirá o frete, à Literatura não.