Nesse tempo não era nada fácil chegar a Vila Franca, que os caminhos
não eram os de agora. Passa um homem o Chafariz do Vento, desce à várzea dos
Vilares, estradinha fora, em dois tempos põe-se na estação.
Na altura corria a guerra, lá bem longe, o padre apregoava
do altar para baixo que Deus estava connosco, quem sou eu para o desdizer. Mas ali ninguém dava razão do que a guerra seria. A lamúria
dos patrões é que se não calava, lá de longe. Que havia bichas do pão, e senhas para o açúcar, da manteiga é melhor nem falar. De modo que ali na casa fazia-se o
possível, que já era o costume. Pelo Natal, arrumadas as castanhas e
desmanchada a ceva, preparava-se o fumeiro e despachava-se para Lisboa, ao
domicílio.
Saí nessa madrugada no carro das vacas, eram três da
manhã, com três cestões de fruta, queijos e morcelas, e algumas sacolas de feijão. Tudo
bem cosido a serapilheira. Eu e mais o criadito, por cima da carrada levávamos
lenha seca, porque um homem prevenido nunca se vê ao rebusco.
Era uma madrugada de judeus. No alto da Broca rompeu-nos a
alvorada, eu fiz um alto para acender uma fogueira e as mãos não mo consentiram.
As pobres das vacas levavam fusos de gelo a alindar os focinhos, sem que em volta se
topasse uma luzinha de vida. Lá descemos as reviravoltas todas da encosta, até
chegarmos à curva da chouriça. Parecia mesmo que a estrada queria voltar para
trás.
Foi então que apareceu aquela alminha santa, um cristão que subia
para o Feital. Acendeu-nos o lume, cuidou-nos dos narizes dos desgraçados
bichos, deixou-nos a todos confortados. E pôs-se a mexer para casa, ainda tinha
que andar.
O resto já pouco era. Pus os cestos na balança,
pendurei neles as etiquetas de pau, e paguei o despacho ao domicílio. Meia hora depois o comboio parou, e cobriu a estação de fumarada.