Depois da II Guerra Mundial, uma Europa reduzida a cinzas
pela insânia nazi dividiu-se em dois blocos, correspondentes aos braços que
aniquilaram o nazismo. Dum lado o bloco socialista,
que a mão de Stalin procurou assegurar; e do outro a Europa Ocidental, debaixo
do guarda-chuva económico, técnico e militar americano. Para a América, esta
guerra em casa alheia foi a cereja em cima do bolo: pelo preço de meio milhão
de soldados, ganhou direito a um império.
A disputa de hegemonia entre os dois blocos conduziu à
inevitável guerra-fria. E as elites dirigentes ocidentais não tiveram outra
escolha senão fazer concessões aos povos. Tinham que evitar o perigo de que eles
se voltassem para Leste, para as promessas que durante gerações alimentaram a
esperança numa sociedade nova. Sindicatos e partidos, direitos políticos e
laborais, assistência e protecção social, tudo isso cresceu à sombra do muro de
Berlim, o símbolo maior da divisão.
Em Portugal foi um pouco diferente. O fariseísmo das
democracias ocidentais trocou as vantagens ofertadas da presença portuguesa na
NATO, e a disponibilidade do porta-aviões das Lages no meio do Atlântico, pela
continuação do salazarismo no final da guerra. Portugal pagou por isso um altíssimo
preço, que lhe custou trinta anos de vida, dez mil mortos e trinta mil feridos numa guerra inútil e demente, e gerações de atraso e de miséria. Até que Abril um dia aconteceu.
Nos finais da década de 70, tornou-se claro à América e à
Inglaterra que a economia e a vida nos países do socialismo real não tinha pés para andar. O seu poder de atracção
estava dissolvido. É em função disso que Reagan e Thatcher ensaiam os primeiros
passos para reverter a situação social e económica dos povos da Europa, que há
muito tempo não servia os interesses das oligarquias dirigentes. Na década de
80, Reagan proletarizou rapidamente os trabalhadores da aviação civil e da indústria automóvel, e
Thatcher destruiu os sindicatos de mineiros e fechou as minas de carvão ao fim
de seis meses de guerra aberta. A desregulamentação financeira, o endeusamento
dos mercados, o combate aos direitos laborais, a desindustrialização, as
privatizações, a globalização, a deslocalização empresarial, fizeram
paulatinamente o seu caminho.
Os erros de Moscovo e as suas políticas internas e
externas, de que o Afeganistão é apenas um triste exemplo, aceleraram a ruína
da economia e da vida do socialismo real.
E Reagan deu-lhe a machadada final com o desafio da Guerra das Estrelas, à qual
nem a economia nem a tecnologia de Moscovo tinham resposta para dar. Era um
sistema defensivo de armas no espaço, com estações que reagiriam de imediato a
qualquer sinal de mísseis intercontinentais, destruindo-o praticamente à
nascença.
Na guerra soviética do Afeganistão, a América amamentou
aquilo que viria a ser a Al-Qaeda do Bin Laden, com os talibãs que abatiam a
míssil os helicópteros de combate, cortavam às postas os aviadores capturados,
e massacravam o exército russo. No final da década de oitenta, Gorbatchov
claudicou.
No pensamento estalinista, Gorbatchov não passou dum
traidor, com a perestroika e a glasnost. E assim será, para espíritos a
quem a liberdade e o arbítrio pessoal pouco ou nada dizem. Se tais caminhos
tivessem sido seguidos, eu questiono-me apenas sobre que futuro teria Portugal,
na solidão radical da ponta da Europa, virado para o mar, depois da queda de
Moscovo em 1989.