terça-feira, 22 de julho de 2014

Rolls-Royce 1 - General Electric 0

Se a memória me não trai, o objectivo da missão era experimentar umas bombas-pinóquio, pois quem não tem cão caça com gato, toda a vida assim foi. Não havia espoletas adequadas para fazer detonar as bombas de fragmentação antes do impacto no solo, o que lhes suprimia muita da eficácia. A bomba-pinóquio era o milagre possível.
Encaixava-se na bomba um tubo de dois metros, atulhava-se de velas de trotil, montava-se-lhe na ponta uma espoleta comum, e a bomba detonaria a dois metros de altura, se não partisse o nariz.
Eu seguia a número dois, a nível médio pela Estremadura abaixo, à procura do campo de Alcochete. Até que a passarola se pôs a uivar. Uma portinhola aberta? Uma tampa mal fechada? Um hidráulico preguiçoso? Mau Maria! Nos relógios tudo bem!
O chefe esfalfou-se a bailar à minha volta e não viu nada. Invertemos posições e voltámos à missão. 
Uma vez abandonadas a si próprias, as bombas-pinóquio punham-se a acenar. Faziam vénias, sofriam de hesitações, lembravam as cortesias dum cão a apurar os faros. Por fim estabilizavam e lá iam. E no solo vassoiravam um terreiro, que era o que se pretendia. Mas não tiveram futuro, as pinóquias do milagre. Porque a história manda em tudo, embora pouco pareça. Só que isso é outra questão.   
Os uivos da passarola só se calaram na pista, com o motor totalmente reduzido. Transformaram-se em vibrações mecânicas, e a passarola parecia amotinada. Não me desencaixou as rótulas porque eu lhe cortei o pio sem misericórdias. Levaram-na pela arreata até ao estacionamento. Pobre dela, destratada, que na turbina lhe saltara a puta duma palheta. À despedida picotou mais meia dúzia e foi-se embora.
Lembrei-me da peripécia, muito antiga, quando há dias ouvi na televisão que a Tap tinha andado a largar pregos por cima de Camarate. E depois acabou na Caparica, a esvaziar os depósitos, para aterrar com um só motor. Gente mimada, é o que é!

NOTA: Neste lugar, mais se perseguem as artes da palavra do que a História. Mas procura respeitar-se algum rigor factual.
O texto é elaborado sobre três episódios: a experimentação das bombas-pinóquio, a perda de palhetas numa missão a Alcochete, e a Tap que também andou a largar pregos em Camarate. Qualquer dos três é factual e histórico.
Admite-se, porém, que possa o primeiro não ter parentesco com o segundo. Que as pinóquias tenham sido testadas com outra aeronave (1971?), e que a perda das palhetas ocorresse noutra missão ao campo de tiro, que a memória já não guarda (1973?).
Sobra o texto, sem compromisso.