Rameau. Puro cultismo. http://www.youtube.com/watch?v=xcXY7dyK7eQ
Jean-Philippe Rameau foi um compositor marcante do barroco francês, na primeira metade do séc. XVIII.
E esta composição "La poule" é exemplar, como objecto musical do cultismo barroco. Diferentemente do conceptismo, que explorava muitas vezes o puro jogo de conceitos (Pe. António Vieira!), o cultismo barroco era um mero exercício de formas, alheio e indiferente a outros conteúdos artísticos.
A literatura portuguesa da época (mormente a poesia fradesca dominante) é cultismo puro as mais das vezes, como demonstram os sonetos Ao Menino Jesus em Metáfora de Doce, ou outros de conteúdo igualmente insignificante.
Mais dura, mais cruel, mais rigorosa,
Sois, Lisi, que o cometa, rocha, ou muro,
Mais rigoroso, mais cruel, mais duro,
Que o céu vê, cerca o mar, a terra goza.
Associemos céu, com cometa, e com rigoroso;
associemos mar, com rocha, e com cruel;
associemos terra, com muro, e com duro.
Presentes lá estão os quatro elementos da Natureza: a terra, a água e o ar, sendo que Lisi é o fogo. O resto do soneto não sai deste jogo, que é uma construção a régua e esquadro, e nela se esgota.
A composição de Rameau é um sofisticado exercício formal, fascinante a seu modo. Porém sem outra substância, além da pouca que existe no cacarejar duma galinha.
Ouçamo-la outra vez.
O ar do tempo das sociedades actuais contém semelhanças claras com o dos séc. XVII e XVIII. Ao menos porque nele predominam a perturbação, o desequilíbrio, a angústia do transitório. O espírito do homem não é hoje apolíneo, diurno, luminoso, positivo e confiante. Como não era então, muito por influência da santa Inquisição. Ora isso reflecte-se forçosamente na criação artística.
Há então barroquismo, na literatura de hoje?!
Já houve mas já não há, porque isso dá muito trabalho. E porque entraram em jogo a produtividade, o imediatismo, o mercado, o dividendo, os três minutos de fama. Só o vazio é que é o mesmo.