sábado, 29 de março de 2014

O último maçaricão-esquimó 25

(Cont.)
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             A chegada da fêmea foi um ponto culminante estranhamente desdramatizado, depois de uma vida de eterna espera. O maçaricão estava no meio de algumas tarambolas, junto à água, e procurava alimento. De repente a fêmea estava ali! Tinha poisado a menos de um metro de distância, e ele podia observar-lhe cada pena da plumagem. Chegara com mais nove tarambolas. Silenciosamente tinham-se deixado planar sem que ninguém as notasse, salvo uma tarambola que se mantinha alerta às aves de rapina, enquanto as outras comiam. A fêmea fechou vagarosamente as asas, num movimento mais gracioso que o das companheiras. E voltou para ele o longo bico recurvado.
            Ela pulou então sobre as altas pernas esverdeadas, e saiu-lhe da garganta um gorjeio suave. Ele pôs-se também aos pulos e respondeu baixinho.
            Reconheceram-se sem reflectir, num súbito processo intuitivo. O macho sabia que se tinha enganado muitas vezes, sabia que os maçaricões-norte-americanos, confusamente parecidos, passavam o Inverno muito mais a Norte, no mar das Caraíbas. Aqui, no Sul profundo, ele só encontraria maçaricões da sua espécie. Este era mais pequeno do que os outros, e de um castanho mais claro, tal como ele próprio. Na verdade, os seus pensamentos eram fugidios e informes. Mas a voz, a atitude, os movimentos da outra ave, mais do que o seu aspecto, disseram-lhe imediatamente que a sua fêmea chegara.
            Nunca tinha visto um companheiro da espécie, e a fêmea provavelmente também não. Ambos tinham procurado, na América do Norte e do Sul, sem saberem exactamente o quê. Mas, logo que o acaso os juntou, o instinto velho de gerações permitiu-lhes reconhecerem-se sem qualquer hesitação, uma vez que o maçaricão tinha sido uma das aves mais difundidas em toda a América.
            Durante um minuto ficaram ali imóveis, espreitando-se e saltitando. O macho estava excitado de contentamento. Finalmente podia calar o seu desejo da fêmea, que durante a vida inteira fora surgindo e desaparecendo, sem nunca ter sido satisfeito. Um pequeno caracol rastejava à sua frente, na água baixa. O maçaricão partiu-lhe a casca com uma bicada, mas não o comeu. Com o pescoço esticado e a plumagem tufada pavoneava-se em frente da fêmea. Constrangido e algo desajeitado, chegou-se junto dela e ofereceu-lho. A fêmea, com as asas um pouco abertas e todo o corpo a tremer, aproximou-se dele. Picou o caracol e engoliu-o de imediato.
            O macho alimentou a fêmea, apresentou-se como companheiro e a fêmea aceitou-o. E assim começou o jogo nupcial. Nenhum deles mostrara qualquer excitação exterior, qualquer alegria exibicionista. O macho deu o caracol à fêmea, esta recebeu-o, o casamento estava selado.
(Cont.)