(...) Os poilus franceses começaram a debater entre si a volta para os seus lares, antes que a guerra à outrance de Clemenceau atingisse a sua horrenda plenitude. Na primavera de 1918, André Maginot reconheceu, em sessão secreta da Câmara, que entre a cidade de Paris e a linha de combate só restava uma divisão em que o governo podia depositar absoluta confiança. A bandeira vermelha fora içada sobre a refinaria de açúcar em ruínas de Souchez. Um regimento alemão respondeu a isto entoando a Marselhesa e atravessando a terra de ninguém para confraternizar com os inimigos. De uma trincheira à outra atiravam-se cartas, trocavam-se mensagens. Tornou-se necessário proibir às tropas britânicas toda a conversação com os prisioneiros alemães. A imprensa truncava as listas de baixas. Foi preciso transferir divisões a fim de romper contactos secretos com o inimigo.
Morriam ainda diariamente dezenas de milhares de homens. Mas nos castelos, longe da explosão das granadas, e protegidos contra as incursões aéreas por um ajuste com o comando supremo alemão, em que cada parte se comprometia a não bombardear o quartel-general inimigo, os generais e políticos aliados continuavam a contender entre si sobre pontos de precedência e prestígio. Joffre, que sugerira que se internasse Foch num asilo para mulheres velhas, foi por seu turno desbancado por Nivelle. Pétain ocupou o posto por algum tempo, até que Castelnau veio substituí-lo. O desacordo entre os homens dos galões de ouro ameaçava prolongar a guerra indefinidamente. Um rumor subterrâneo de descontentamento alastrava pelo exército. Rebentaram revoltas. De uma vez estiveram envolvidos oitenta e sete regimentos franceses, de outra cento e quinze. Os conselhos de guerra funcionavam noite e dia. Por um simples murmúrio de desagrado dizimava-se uma companhia inteira. Enviavam-se divisões propositadamente para a linha de combate para serem chacinadas, esmagando-se assim o espírito de derrotismo. (...)
[Estes Dias Tumultuosos, Pierre van Paassen, Livros do Brasil, Lisboa 1946]