(Cont.)
Após trinta e seis horas sobre o mar, os músculos e os
nervos começaram finalmente a acusar cansaço. O voo deixou de ser um acto
reflexo inconsciente e infatigável. Agora exigia esforço de vontade, e só a
concentração determinada na tarefa fazia ainda bater as asas debilitadas. Duas
noites e um dia sem alimento tinham afrouxado os processos no corpo das aves,
que arfavam no ar quente dos trópicos. Mantinham os bicos abertos, pois tinham
que respirar velozmente, para cobrir as necessidades de oxigénio dos pulmões.
Três tarambolas novas, que faziam pela primeira vez a longa viagem sobre o
oceano, atrasavam-se lentamente. O maçaricão reduziu a velocidade, até ao ponto
de as aves mais fracas se poderem aguentar.
Ele
sabia que havia ilhas além, a Oeste, por baixo das espessas nuvens do
horizonte. Ficavam apenas a uma ou duas horas de voo. Porém, para as alcançar
era preciso seguir um rumo em que o vento soprava directamente de cauda. E isso
prejudicava o voo, tanto como o vento de frente. Por isso o maçaricão mantinha
a rota inicial. Ele sabia que havia de passar uma terceira noite antes que
chegassem à costa. E se alcançassem terra firme na escuridão, numa noite
cerrada e cheia de nuvens, só poderiam poisar quando os contornos dos mangais
venezuelanos e das ilhas de areia dos estuários se pudessem desenhar na
claridade da manhã.
O dia
demorou muito a passar. Mas finalmente o sol mergulhou no mar das Caraíbas, e
rapidamente ficou escuro, quase sem crepúsculo. As nuvens cresceram e ocultaram
a lua e as estrelas. Caíram as primeiras gotas, o bando chegava aos trópicos em
pleno tempo das chuvas. Era uma chuva ligeira e fina, que refrescava o ar e
facilitava a respiração. E assinalava a proximidade da costa.
Durante duas
horas voaram à chuva. O maçaricão não podia ver nada, mas reconheceu
imediatamente quando deixaram o mar e se acharam sobre terra firme. Primeiro
trovejou, no escuro, a rebentação, e logo a seguir surgiram as turbulências das
correntes térmicas, a elevar-se do solo quente.
As aves
não podiam senão continuar em frente, hora após hora. E agora, sabendo que por
baixo delas se estendia terra firme, o voo tornou-se uma prova de força cruel,
e cada batida de asa uma luta atormentada contra a inércia e o esgotamento.
Muita energia era agora desperdiçada, uma vez que as rémiges estavam de tal
modo estafadas que já não cortavam o ar como pás duma hélice. Tal como o faziam
ao princípio, ao deixarem o Lavrador, com batidas ligeiras e fáceis.
O
maçaricão sabia que, por trás da faixa costeira com praias e estuários de rios,
havia mangais pantanosos. Eles estendiam-se ao longo de 250 quilómetros, e
poisar neste emaranhado era tão difícil como fazê-lo no mar alto. Assim, quando
clareasse, teriam que continuar a voar em frente, até atingirem os Llanos
relvados da Venezuela. As asas tinham-se tornado pesadas, mas o maçaricão
ganhava altura para poder ultrapassar os montes costeiros. Era um tormento.
Atravessaram os montes e o cansaço mantinha-se, crescia de repente em guinadas
agudas, e fazia vibrar cada fibra dos seus pequenos corpos.
A noite
estava escura como breu. Até que a manhã rompeu finalmente, não com amarelos e
vermelhos, mas com uma luz turva e cinzenta. Por baixo deles a terra era húmida
e lamacenta, atravessada por rios largos, como a tundra na Primavera. Tão longe
quanto podiam ver, na luz cinzenta da manhã, estendia-se em todas as direcções
o extenso vale do Orinoco. E continuava a chover.
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