(Cont.)
À superfície da água havia também outras aves, que passam
a maior parte da vida a cardar no mar alto. Apenas voam para terra quando o impulso
de acasalamento as chama. Paínhos-mergulhadores, de patas coloridas, esvoaçavam
por ali como borboletas, e precipitavam-se entre as ondas. Os seus vultos
faiscavam como reflexos minúsculos, e sem descanso procuravam alimento,
pequenos crustáceos e plâncton. Aves aquáticas que tinham nidificado na tundra,
no meio das narcejas suas parentes, tinham regressado ao mar, em cuja solidão
se manteriam até à próxima época de criação. Casualmente passava um grande
albatroz, com as suas braçadas escuras e tranquilas, a aproveitar habilmente a
impulsão criada sobre as cristas das ondas, pelos movimentos da água. Mas aqui
tratava-se de verdadeiras aves marinhas. O mar alimentava-as e concedia-lhes
repouso quando as asas ficavam fatigadas, pois podiam nadar tão perfeitamente
como voavam.
O maçaricão
e as tarambolas só podiam voar, voar e voar, adiando o descanso e o alimento,
até atingirem terra firme.
Quando a
noite chegou já tinham atravessado o braço da corrente do Golfo que se dirige
para Leste. Encontravam-se agora no meio do Atlântico, numa zona de cinco
milhões de quilómetros quadrados, onde nenhuma corrente agita a água salobra e
onde bóiam ilhas de algas esponjosas. Estavam sobre o Mar dos Sargaços, o mais
estranho de todos os mares. E voavam há vinte e quatro horas sem descanso.
Enormes
tapetes de algas castanhas passavam por baixo deles. Quando perdiam altitude,
viam os peixes-voadores com as suas barbatanas peitorais semelhantes a asas,
lançando-se sobre os rolos húmidos de algas marinhas. Entre elas viviam
caranguejos, camarões e caracóis. Em anos passados, por esta altura, já o
maçaricão tinha avistado os picos baixos do Sear’s Hill, nas Bermudas. Mas
desta vez tinham sido afastados muito mais para Leste pela tempestade nocturna.
O sol caía no mar sem fim. Quando escureceu, a água cintilava com o brilho
claro e frio de milhões de seres fosforescentes.
O
maçaricão conduziu o bando em frente, e durante toda a noite voaram a uma
altitude de cerca de mil metros. De tempos a tempos, as aves comunicavam entre
si através de pequenos gritos. Quando o maçaricão seguia no comando, tinha que
aplicar todos os sentidos para estar atento aos caprichos do vento e aos
impulsos cósmicos. O seu cérebro traduzia estes impulsos num sentido de
orientação. E, quando cedia o comando a uma tarambola, voava num estado de
semi-sonolência. As asas batiam automaticamente, os olhos mantinham-se meio
fechados, e ele seguia o turbilhão da ave precedente quase inconscientemente.
Nessa
noite, a estrela polar e as constelações do Árctico já se perdiam no horizonte.
Para os lados do Sul apareciam estrelas novas. Pouco antes do romper do dia o
vento tornou-se mais fresco. Soprava de Nordeste, forte, constante e monótono.
Tinham atingido a zona dos alísios. Era um vento de bombordo, que lhes
acelerava a velocidade nuns bons quinze quilómetros por hora.
Apesar
do vento, o dia estava quente. E por vezes deslizava à superfície da água a
sombra azul escura dum tubarão. O bando estava perto dos trópicos, o mar tornava-se
cada vez mais azul, e na atmosfera quente formavam-se maciças nuvens
cumuliformes, cujas sombras salpicavam a água. Grossos montões de nuvens
empilhavam-se, imóveis, no horizonte, a Oeste. Eram marcas de itinerário. Por
baixo delas havia ilhas, cada uma com o seu capacete de nuvens, que podiam
observar-se muito antes de elas se avistarem. O bando tinha agora diante de si
o mar das Caraíbas e as Pequenas Antilhas. E lá à frente, por detrás do
horizonte, à distância de doze horas de voo, encontravam-se as selvas e os
montes da América do Sul.
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