(Cont.)
Janeiro chegara. E a longínqua tundra canadiana, a
catorze mil e quinhentos quilómetros de distância, seria ainda durante alguns
meses a adormecida terra fria das tempestades de neve e das noites sem fim. Mas
o maçaricão sentia já o chamamento do Árctico, uma suave emoção interior, um pequeno
sinal. As suas gónadas em breve começariam a produzir hormonas, um novo ciclo
anual aproximava-se. A princípio era quase imperceptível, mas o processo foi-se
tornando lentamente mais forte. Era um sentimento que se distinguia do impulso
migratório do Outono. Partir para o Sul tinha sido uma vaga impaciência, sem fim
definido. Mas agora só o objectivo contava. A migração era um fenómeno
acidental e acessório. O que ele sentia era essencialmente a ânsia, a saudade
de casa. Conhecia perfeitamente o destino, não só o Árctico e a tundra, mas o
amontoado de cascalho, à beira da curva do rio. Aí havia de chegar também a
fêmea, aí havia de ser o ninho.
E o
maçaricão pôs-se a caminho de casa. Seguia de charco em charco, e não fazia
grandes trajectos. A indecisão tinha passado. Voava sempre para Norte. Também
as outras narcejas sentiam o mesmo, estavam sempre em movimento. O número e a
espécie das aves nos charcos mudava de hora a hora. Uma semana depois o
maçaricão encontrava-se trezentos quilómetros mais a Norte.
O CORREDOR DA MORTE
Em
anexo ao relatório anual do Instituto Smithsoniano, deve acrescentar-se algo
sobre determinadas descobertas científicas. As participações vêm de
colaboradores da casa...
O
maçaricão-esquimó e o seu desaparecimento (reedição, revista pelo autor, Myron
H. Swenk, dos debates da Sociedade Ornitológica do Nebraska, de 27 de Fevereiro
de 1915).
Todos
os ornitólogos informados concordam entretanto que o maçaricão-esquimó
(Numenius borealis) está ameaçado de extinção. Muitos acreditam mesmo que as
poucas aves que ainda existem não são suficientes para a renovação dos
efectivos. Consideram-no como uma espécie que pertence praticamente ao passado.
Se partirmos de situações análogas, parece legítimo este pessimismo. Talvez a
história do maçaricão-esquimó, parecida com a do pombo-torcaz, constitua mais
uma daquelas tragédias ornitológicas que sucederam na segunda metade do séc.
XIX. Devido aos abates incontrolados e irracionais, reduziram-se os efectivos
norte-americanos de aves. Várias espécies largamente difundidas, como se vê
pelos gigantescos bandos, foram quase ou totalmente aniquiladas...
A
comissão de defesa das aves submete à reunião ordinária de membros da Liga
Ornitológica Americana os resultados da sua pesquisa no ano de 1939, relativos
à destruição, ou antes, à conservação do mundo ornitológico nacional...
Mas
particularmente ameaçados estão, sem dúvida, o condor californiano, o
maçaricão-esquimó e o bico-de-marfim. Os efectivos reduziram-se tão
drásticamente que os indivíduos sobreviventes se mantêm separados uns dos
outros. Facto que, por sua vez, põe em causa a reprodução...