Se há um Karma, esta mulher trá-lo com ela. Sei-o, porque lhe conheço a geração, embora eu não entenda nada disso. Os homens, esses coitados, sucumbiriam sem elas e os karmas tratam-nos bem.
Ela criou-se numa colónia antiga, onde o Verão e a liberdade eram eternos. Quando a guerra rebentou, voltou a Portugal pela mão da mãe. E no Inverno tinha frieiras nos dedos, da roupa dos hóspedes a quem a mãe alugava quartos, para criar a filharada. Quando chegava a época da praia na Granja, ela vendia saquinhas de pipocas aos veraneantes, para ajudar a mãe a criar os irmãos. E à noite frequentava a escola nocturna, porque as horas do dia não lhe pertenciam.
Casou-se com um columbófilo, que ouvia as mensagens de radio-amador e controlava as anilhas dos pombos. O resto não era nada com ele.
Um dia ela arranjou trabalho numa multinacional americana, onde tinha um salário privilegiado. E a certa altura mandou bugiar o homem, porque se fatigou de parasitas. Ele é que não esteve pelos ajustes e não a deixava em paz. Foi assim que ela se despediu, e caiu numa emergência verdadeira. Depois disso foi lavar escadas e limpar apartamentos, e nunca se lamentou.
Eu de karmas não entendo nada, mas trato-os com respeitinho.