A seu tempo, ter ido parar a França foi para ele um destino natural. Mas o tempo que lá andou não foi a assentar tijolos. A gare de Austerlitz era uma pátria emigrada, Champigny um arrabalde de destroços onde alguns patrícios acharam ocupação. Conheciam-se obras e patrões, vendia-se trabalho escravo a gente desesperada. Os bancos ainda não tinham circo montado, e mandar dinheiro às mulheres fazia-se por mão própria: um que vinha trazia o suor dos outros em moeda forte. Os francos é que nem sempre chegavam ao destinatário; muita vez eram roubados, sumiam-se no caminho, eram azares.
O padrinho em poucos anos arranjou pecúlio. Voltou a Portugal logo que pôde, e foi estabelecer-se numa terra à beira-mar. Montou indústria de extracção de areias numa praia, e estufas de pepinos e cavalos de volteio. E comprou na aldeia o que havia para vender.
A cocaína vinha da Colômbia. E ele tinha mulas ao serviço, que mandava a Paris de comboio a entregar uns pacotes. Ministros houve, dum Portugal triunfante, que na aldeia vinham a serões em casa dele, lamber uma bisca e encharcar-se de conhaques raros. Depois subiram na vida e deixaram de aparecer.
A certa altura os calotes eram muitos, ele abriu falência e foi tudo parar ao leilão dum tribunal. Ele trocou as voltas a uma juíza novata, que andava a dormir como é típico da corporação. Depois disso retirou-se para uma colónia antiga, onde se reconstruiu. Escapou ele à polícia de investigação e a pátria acabou por se calar.
A cena mais recente é na aldeia, numa assembleia de compartes, se alguém sabe o que isso é. Os compartes reuniram para discutir assuntos de baldios. O godfather não é eleitor nem residente. Mas tem o seu interesse a defender. E pretende chamar seus uns cantos de baldios.
Nunca pensei que as personagens da vida reproduzem fielmente as figuras que lhe povoam a cabeça. Como ele, que é baixito e é redondo. Envolvido nas abas do capote, é um bom siciliano à moda antiga.