quarta-feira, 27 de março de 2013

E é tudo!

[O terramoto de Lisboa de 1755]
Já algo foi dito, aqui, ali e acolá, sobre a notável obra que HAJA LUZ! é. Saída das mãos dum químico português, tem tanto de fascinante como de surpreendente. Nela se entrelaçam a química, a história, a música, a literatura, a biografia, a curiosidade, o cinema, o teatro, a ópera, a física, a alquimia, a verdade e a lenda, a cultura e a vida, a dedicação à ciência e à experimentação. Tudo coisas que apenas interessam a quem se preocupa em entender o mundo. Não estranha, assim, vê-la tão injustamente pouco divulgada, nesta nossa terra de retóricos, de escolásticos e de nefelibatas manhosos!
A série de transcrições que hoje termina foi uma homenagem ao autor, e o meu modesto contributo para a divulgação desta obra espantosa, agora também gravada, para cegos, na Sonora da BPM do Porto . E termina com o registo diacrónico das presenças do génio pátrio, ao correr do texto.

«- No séc. XVIII, as espécies naturais - plantas e animais - são chamadas, contadas e baptizadas, e isto equivale a uma segunda Criação. Como em tudo na vida e na história, nada acontece sem antecedentes. A aventura comercial dos Descobrimentos e o interesse pelo exotismo por ela gerado tinham aberto o caminho ao estudo regular da flora e da fauna de continentes distantes, e respectiva comparação com os reinos vegetal e animal da Europa. Uma tal diversidade era motivo de espanto. Basta lembrar o zelo do nosso D. Manuel I ao incluir um elefante e uma onça caçadora na embaixada papal de 1514, liderada por Tristão da Cunha. Mais acidentada foi a tentativa no ano seguinte de oferecer ao mesmo papa Leão X o rinoceronte que Afonso de Albuquerque trouxera para Lisboa. O bicho ainda foi visto vivo em Marselha pelo jovem rei de França Francisco I, mas o barco naufragou perto do porto Venere e o rinoceronte morreu afogado. Lá conseguiram recuperar o cadáver, e o que o papa admirou foi o animal embalsamado. Albrecht Dürer imortalizou este rinoceronte num desenho (hoje no museu britânico de Londres).

- (...) Em Portugal, a Academia das Ciências de Lisboa foi fundada em 1779 por D. João de Bragança, 2º Duque de Lafões, e pelo abade José Francisco Corrêa da Serra. Estivemos entre os primeiros. (...)

- (...) Uma boa notícia é que existe na biblioteca do IST em Lisboa um conjunto da raríssima nova edição (da Enciclopédia Diderot/D'Alembert) (1778); a má notícia é que um aluno ou professor mais patriota roubou o Tomo 14, correspondente à letra P, com o artigo sobre Portugal.(...)

- (...) Henry Fielding foi sepultado no cemitério dos Ingleses, à Estrela, mas nem a família nem os amigos se deram ao trabalho de arranjar uma pedra tumular decente. (...) Parece de D. João de Bragança, 2º Duque de Lafões, ainda tentou mandar construir um monumento apropriado, mas deparou com a oposição frontal da Igrela Católica, que mal tolerava um cemitério para protestantes heréticos no centro de Lisboa. (...)

- (...) Muitas daquelas plantas tinham propriedades medicinais, como era do conhecimento dos povos nativos. O médico e botânico português Garcia de Orta publicou em Goa os Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia. (...) Orta tinha sido condenado postumamente pela Inquisição em 1580. Já que o não puderam queimar vivo, foi queimado morto; a sepultura foi aberta e os ossos incinerados. (...)

- (...) A monarquia só viria a ser re-estabelecida em 1660 com a subida ao trono de Charles II, que dois anos depois casaria com Catarina de Bragança, filha de D. João IV de Portugal ( a qual depois introduziu o hábito do chá na corte inglesa). (...)

- (...)Quem fez as obervações do Trânsito de Vénus em Portugal (1761) foi o padre Teodoro de Almeida, da congregação do Oratório. Desterrado no Porto à data do Trânsito, foi no convento da Igreja dos Congregados que fez as suas medidas. Os resultados chegaram a Delisle através de João Chevalier (padre da mesma congregação, perseguido pelo Marquês de Pombal em 1760, com residência fixa em Freixo de Espada-à-Cinta. Fugiu depois para Paris, viveu em Bruxelas durante mais de 30 anos, indo acabar os seus dias em Praga). Teodoro de Almeida fugiu para Espanha em 1768, depois emigrou para França, só tendo regressado a Portugal após a morte de D. José I, e a queda do ditador Pombal. (...)

- (...) constando que a dita Passarola voou da praça de armas do Castelo de S. Jorge em Lisboa, até se despenhar no Terreiro do Paço. Infelizmente a história não passa dum boato, e a verdade é que não se sabe se a Passarola chegou mesmo a ser construída, ou se não passou dum mero projecto utópico. (...) Quanto ao padre Gusmão, a história verdadeira regista que teve um frim triste. Intrigas de corte e perseguições inquisitórias levaram-no a fugir a pé para Espanha em 1724, vindo a morrer na penúria em Toledo, nesse mesmo anos. (...)

- (...) A 3 de Abril de 1784, um dos membros fundadores da Academia de Ciências de Lisboa, o padre João Faustino, fez subir perante os soberanos, no Palácio da Ajuda, um balão de ar quente com 15 metros de diâmetro. (...) Também há notícia de que o padre Jerónimo de Allen espantou os lisboetas com outra subida em balão. (...)

- (...) Montigny herdara do pai um espião científico, Jean-Hyacinthe Magellan, a viver em Londres. Digamos que João Jacinto de Magalhães era um daqueles iluminados que dedicava a vida a espalhar o que sabia e ouvia pelos cientistas dos vários países. (...) Em Paris conheceu o médico António Nunes Ribeiro Sanches, outro português estrangeirado, um cristão-novo forçado a emigrar para escapar às penas da Inquisição, e que deve tê-lo ajudado. (...)

- (...) Tanto Voltaire como o filósofo Immanuel Kant escreveram longamente sobre o assunto, e até Goethe, com seis anos na altura do terramoto, viria a registar as impressões que a terrível catástrofe lhe deixara. (...)

- (...) Foi a partir desses extractos que, caerca de 1810, o médico português Bernardino António Gomes conseguiu isolar o primeiro alcalóide; julgava ter obtido o princípio activo da casca da quina, e chamou-lhe chinchonina. Foi só em 1820 que dois farmacêuticos franceses isolaram a quinina, um alcalóide muito mais febrífugo que a chinchonina e que se revelaria uma droga eficaz no tratamento da malária. (...)

- (...) Julgo importante referir que vários físicos e químicos portugueses - Mário Silva, Manuel Valadares, Branca Edmée Marques - passaram pelo laboratório de Madame Curie, no Instituto do Rádio, onde se doutoraram, durante os anos 1920 e princípio dos anos 1930. No entanto, a influência de Marie Curie na ciência portuguesa foi diminuta, em parte porque os melhores dos seus discípulos lusos seriam compulsivamente afastados das universidades pelo governo salazarista. (...)»