«Em Paris, Jean-Féry Rebel, um discípulo de Jean-Baptiste Lully, mestre de música e compositor da corte de Luís XIV, parece ter sucumbido à febre vivaldiana. Se foi ou não a audição d'As Quatro Estações que o levaram a compor, em 1737, Os Elementos, nunca saberemos. O que sabemos é que esta suite para orquestra marca, pela sua chocante modernidade, uma data na história da música. Como Haydn faria sessenta anos depois, Rebel propôs-se representar a criação do mundo tomando como ponto de partida "aquela confusão que reinava entre os elementos antes do momento em que, sujeitos a leis invariáveis, eles tomaram os seus lugares na ordem natural das coisas". A sua interpretação por música de "Le Cahos" inicial é ainda mais revolucionária que a de Haydn. (...) Ouvem-se os floreados das madeiras, o ressoar dos tímbales, os metais em contraponto. Cada elemento é representado por uma ideia musical: a terra, por sequências indistintas de notas graves; a água, por cascatas ascendentes e descendentes de notas na flauta; o ar, pelas notas longamente sustentadas do piccolo; e o fogo, pelo desempenho virtuosístico dos violinos. (...)
No mesmo ano de estreia dos Elementos de Rebel, Georg Philipp Telemann chegava a Paris armado de uma série de obras "ao gosto francês". Vinte anos mais tarde, já septuagenário, comporia a Ode ao Trovão (1756), uma meditação evocativa do terramoto de Lisboa de 1755, no primeiro aniversário da sua ocorrência. (...) De facto o terramoto de Lisboa originou um intenso debate europeu - teológico, ético e filosófico - sobre a oportunidade e até a bondade da tragédia. Tanto Voltaire como o filósofo Immanuel Kant escreveram longamente sobre o assunto (...).
A filosofia do Dr. Pangloss - o tutor de Candide no romance picaresco e satírico de Voltaire - Candide ou l'Optimisme de 1759 - de que "tudo está bem no melhor dos mundos" era uma caricatura das ideias de Leibniz que ficaram seriamente abaladas na sequência do terramoto. Deus, afinal, não escrevia direito por linhas tortas. Nas suas deambulações escapistas, Candide passou também por Lisboa, testemunhou o terramoto e esteve para ser queimado no subsequente auto-de-fé para distrair a população. Os verdadeiros ecos musicais do terramoto de 1755 encontram-se não em Telemann mas na versão intemporal de Candide, posta em música (1956) sob a forma de opereta, por Leonard Bernstein. Aí a terra treme e a orquestra também. (...)»