[Loutherbourg - Coalbrookdale à Noite, 1801]
« (...) Vejamos como reagiam os artistas e a sociedade em geral a todas as modificações da produção e do consumo, que ficaram registadas ao longo dos últimos dois capítulos. Ciência e sociedade iluminam-se uma à outra. No capítulo anterior deu-se conta da condição da classe trabalhadora, vista por Engels, Dickens e Madox Brown, na segunda metade do séc. XIX. Mas é preciso ir aos primórdios da Revolução Industrial para perceber que as mudanças foram imediatas. Os barulhos, fumos e cheiros da nova ciência e da nova técnica invadiam tudo. Propagavam as chamas da combustão. O que acontecia nos laboratórios recatados dos cientistas e nos anfiteatros públicos onde se pregava a ciência não era, afinal, muito diferente ads transformações por que estavam a passar o campo (a natureza) e a cidade. A escala é que era outra. Basta olhar para o berço da Revolução Industrial, em Coalbrookdale, no vale do rio Severn. (...)
Aí nascera, em 1779, a primeira ponte de ferro do mundo. Bosques e veredas frescas tinham desaparecido para dar lugar a fábricas de fogo e fumos sulfurosos. A verticalidade mantinha-se, mas onde houvera árvores havia agora chaminés. A metamorfose sofrida por este local idílico, no condado de Shropshire, marca um outro tipo de revolução - a ambiental. (...)
Por obra da indústria emergente, o pitoresco e o belo tinham sido transformados numa nova forma de beleza horrível e satânica, a que muitos chamam dantesca. Era uma beleza que assaltava os sentidos. O nariz ardia, os olhos choravam, a pele irritava-se, a garganta picava, os ouvidos doíam. Mesmo assim, havia quem gostasse. O choque do novo tem a virtude de despoletar sensações exaltantes e desconhecidas. Um importante filósofo político, Edmund Burke, havia entretanto discorrido sobre as origens do prazer artístico, num ensaio justamente célebre, intitulado Uma Investigação Filosófica acerca da Origem das Nossas Ideias do Sublime e do Belo (1757). Para Burke, o sublime gerava as mais forters emoções que a mente humana podia experimentar. (...) Quem gosta de emoções fortes e de ultrapassar o medo - os cultores de desportos radicais, por exemplo - experimenta o sublime. Contribuem ainda para o sublime a escuridão e a complexiadde, a energia acumulada, a vastidão, a dificuldade, a dimensão e ordem de grandeza, a repetição e a uniformidade (simetria), a rapidez e a brusquidão. (...)
O carácter sublime da paisagem industrial de Coalbrookdale foi também celebrado na tela por P. J. de Loutherbourg, um pintor de origem alsaciana que assentou em Londres em 1771. Muito apropriadamente, a obra-prima de Loutherbourg (1801) pode hoje ser apreciada no Museu da Ciência de Londres. A cena bucólica representada à esquerda, em primeiro plano - uma casa rústica à sombra duma árvore raquítica, mãe e filho altercando na rua, um carroceiro de vara na mão, pronto a espicaçar os cavalos que puxam a carroça por terreno escalavrado - não engana ninguém, nem distrai do verdadeiro tema da pintura: a beleza sublime e épica da nova indústria. Um mar de lava parece escorrer ao fundo, à direita; chaminés altaneiras vomitam nuvens de fumos sulfurosos, através dos quais a lua espreita, tímida. (...)
Já se falou que, o final do séc. XVIII foi uma época de vários excessos - políticos, sexuais, científicos e artísticos. O progresso técnico ajudava à festa. Os entretenimentos de massas eram o chamado 'teatro de efeitos' (à semelhança dos filmes de acção de hoje, com efeitos especiais), o eudophusikon, os fogos-de-artifício, as rotundas panorâmicas (pavilhões circulares para a exibição de pinturas panorâmicas), os dioramas e cosmoramas - todos eles explorações da luz e do movimento. O mote fora dado com As Índias Galantes (1735) um híbrido ou opéra-ballet de Jean-Philippe Rameau, cujo terceiro episódio ou entrée, Os Incas do Peru, culminava num terramoto e erupção vulcânica. As forças da natureza proporcionavam emoções fortes e favoreciam as experiências sublimes. (...)»