terça-feira, 19 de março de 2013

HAJA LUZ! - 26

«(...) No que respeita aos elementos, o primeiro a ser isolado ou fabricado foi certamente o carbono, na forma de carvão. Onde há fogo, há fumo, cinzas e carvão (e dióxido de carbono). Viu-se no Capítulo Cinco como a descoberta do fogo constituiu o primeiro acto civilizacional. Ao observar os incêndios naturais, a Humanidade assistiu à produção de carbono; ao queimar madeira para se aquecer e cozinhar, isolou o carbono.
Se o carbono marcou o início da História, o enxofre purificador, vindo das entranhas da Terra, e à vista de todos nos depósitos vulcânicos, andou lá perto. O enxofre era conhecido e utilizado desde tempos imemoriais. No final da Odisseia, de Homero, Ulisses, depois de matar os pretendentes de Penélope, manda a ama Ericleia fumegar a casa com enxofre:

Traz enxofre, ó anciã, para afugentar o mal
e traz tochas, para purificarmos a sala.

A ama não lhe desobedeceu:

mas trouxe tochas e enxofre; e Ulisses purificou
toda a sala de banquetes, toda a casa e o pátio

antes de enfrentar as mulheres e a rainha. De facto, o produto da combustão do enxofre, o dióxido SO2, tem acção anti-microbiana e, sob o nome de E220, é um aditivo alimentar.
No seu projecto grandioso e comovente sobre o Trabalho (1993) - uma arqueologia da era industrial - o fotógrafo Sebastião Salgado registou o esforço dos habitantes de Licin, na Indonésia, para colher o enxofre nativo do vulcão próximo, a vinte e sete quilómetros de distância. Começam a faina à uma da manhã, trepam os 2.300 metros da montanha até atingir a cratera, para depois descerem mais de 600 metros da bocarra fumegante, até chegarem aos depósitos sulfurosos no lago que enche o centro da cratera.
As nuvens sulfurosas mal os deixam respirar. Protegem o nariz e a boca com um trapo, e aguentam-se nas canelas o melhor que podem. Carregam 70 ou 75 quilos de enxofre em dois cestos e transportam-nos aos ombros, equilibrados numa longa vara de bambu. Esperam-nos duas horas de subida árdua e um descanso para almoço frugal de peixe seco.
Depois é a corrida montanha abaixo, o único modo de suportar carga tão pesada. Sofrem todos de pernas bambas, deformadas pelo peso, só aguentam fazer duas travessias por semana, e ganham três dólares e meio por dia. (...)»