quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A diáspora gloriosa

Quando o infante D. Henrique condenou à morte o irmão D. Fernando, abandonado nas enxovias mouras de Fez depois da aventura de Ceuta em 1415 e de Tânger vinte anos depois, ganhou direito ao título de mais ínclito filho da puta da longa história da pátria. Mas não demorou que as elites tratassem o cordeiro sacrificado como Infante Santo. Assim ética e civicamente se desobrigaram a si próprias, assim moralmente compensaram a vítima, e assim reduziram os indígenas à condição de imbecis, escrevendo a história dum modo peculiar. A diáspora estava a começar, disfarçada de epopeia. 
Retomando um fadário que tem séculos, duzentos mil portugueses saíram de Portugal nos últimos dois anos, à procura do seu direito a uma vida, mesmo se expulsos da sua terra. E outra vez a diáspora do desespero é descrita pelas elites como exemplo da coragem nacional. Desta vez despudoradamente, duma forma descarada e impudente.
É esta uma realidade catastrófica, que nos desmente como país coeso e como sociedade organizada. Antes nos define como um rebanho ocasional que as pseudo-elites há muito tempo tratam como gado de exportação, e em que os direitos do povo se limitam a gestos de pura sobrevivência.
Só que hoje o país já não exporta somente multidões de calhaus com olhos. Antes lança borda fora a geração mais ilustrada de sempre, a que melhor podia romper este fadário triste, e construir um país diferente, e fazer nele os filhos que lhe faltam. 
Mas foi isto que fizeram de nós as pseudo-elites que por aí se arrastam, a viver à nossa custa. Antes que tenhamos a coragem de lhes cortar a cabeça.