Com vénia ao Dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO-Portugal
Preço do petróleo: o problema está abaixo ou acima do solo?
Nos últimos 200 anos, tanto o crescimento económico mundial como o progresso social foram alimentados por um combustível que veio substituir o carvão, tal como este, décadas antes, já havia substituído a lenha. Esse combustível é o petróleo, uma forma de energia extremamente vantajosa e conveniente: pela sua elevada densidade energética; por se encontrar altamente concentrada em pequenas áreas de exploração; por ser flexível no uso; por ser fácil de armazenar e transportar. Um dia a Humanidade terá também de substituir esta forma de energia, e é esse o grande desafio para as gerações vindouras. Se não for resolvido, poderá pôr em causa a forma de viver tal como hoje a conhecemos.
Em 1956 M. Hubbert King, um geólogo da Shell, vaticinou correctamente o início do esgotamento do petróleo americano a partir de 1970. Foi então que surgiu o conceito de "pico de petróleo", para significar a data e o correspondente valor de produção a partir dos quais o volume de extracção, a nível mundial, entraria em queda irreversível.
Para os seguidores desta linha de pensamento, as razões para a escassez e para os altos preços do crude são geológicas e estão, portanto, abaixo do solo. Argumentam que grandes áreas de exploração como o Mar do Norte e algumas das maiores jazidas de petróleo convencional, tais como o super-gigante Gawhar na Arábia Saudita ou Cantarel no México, entraram em declínio. E que os novos projectos de exploração em curso não serão suficientes para compensar esse declínio.
Acrescentam ainda que, apesar das novas e mais sofisticadas tecnologias de prospecção, as grandes descobertas ocorreram nas décadas de 60 e 70, e que actualmente se consomem 4 barris de petróleo por cada um que é descoberto. Por outro lado, o custo da produção aumenta (traduzido pelo EROEI, que significa o retorno energético do investimento, ou seja, quantos barris de petróleo se produzem com o custo de um barril) e o petróleo que se descobre agora custará muito mais a produzir.
Para estes analistas, a data da ocorrência do pico do petróleo mundial não é unânime, e na verdade só poderá ser identificada "a posteriori". Mas está hoje bastante consensualizada a opinião de que deverá acontecer no período entre 2009 e 2015. Depois disso, o valor máximo a produzir, para a categoria designada como "total de líquidos" (que inclui o crude, o condensado e os hidrocarbonetos produzidos a partir do gás natural) deverá ser inferior a 100 milhões de barris diários. Este valor será insuficiente para satisfazer uma procura estimada em 130 milhões de barris, no horizonte de 2030.
Contrariando este pessimismo, outros analistas consideram que as razões para os elevados preços do crude são sobretudo políticas, económicas ou financeiras e estão acima do solo. Argumentam os defensores desta ideia que situações de carência e preços elevados já aconteceram no passado e sempre se encontrou uma solução; que não têm sido feitos os investimentos necessários na pesquisa e exploração; que existe muito petróleo para explorar e que tudo é uma questão de investimento; e atribuem sobretudo à especulação financeira a actual espiral ascendente de preços.
Do lado dos mais optimistas, os que acham que as razões estão acima do solo, encontram-se muitos analistas financeiros e alguns gabinetes de consultores, dos quais se destaca a CERA liderada por Daniel Yergin, conhecido escritor que há alguns anos venceu o prémio Pulitzer. E, de um modo geral, os responsáveis das grandes empresas petrolíferas, a começar pelo presidente da nossa Galp, Ferreira de Oliveira.
Para estes analistas, existem ainda consideráveis e inexplorados recursos petrolíferos em diversas áreas do planeta: no Canadá, na Venezuela, nas bacias de águas profundas do Golfo do México, nas bacias atlânticas das zonas costeiras de África e do Brasil, e nas zonas polares. Tudo dependerá dos investimentos que vierem a ser feitos para aumentar a produção de crude.
Próximos deste grupo estão aqueles que, despreocupadamente e com alguma ingenuidade, acham que as energias alternativas contêm a solução; que a tecnologia irá resolver todos os problemas; e que o hidrogénio ou a fusão nuclear serão a solução do futuro.
As duas posições atrás referidas têm vindo a confrontar-se de uma forma cada vez mais pública e notória. Importantes personalidades têm vindo a inclinar-se para a primeira posição, ou pelo menos não a rejeitam. É o caso do próprio Presidente da Shell, Cristophe de Margerie e do economista chefe da Agência Internacional da Energia, Dr. Fatih Birol. O próprio Comissário Europeu para a Energia, Andris Piebalgs, tem tomado, na identificação das causas dos problemas, posições muito próximas destas.
Para complicar a questão, o acréscimo de consumo nas economias emergentes, sobretudo na China, vai acelerar o desequilíbrio entre a oferta e a procura. O consumo diário per capita na China é de 1 litro, muito longe dos valores americano -10 litros- ou europeu -5 litros. Cada litro de aumento da capitação chinesa requer a produção de mais uma Arábia Saudita, que é, nem mais nem menos, o maior produtor mundial.
O petróleo é finito, e o problema dos limites à sua extracção está, e estará sempre, abaixo do solo. Mas entendê-lo e resolvê-lo só poderá ser feito acima do solo. A propósito, ocorre citar Einstein: "Um problema não pode ser resolvido pela mesma mente que o criou". A Humanidade enfrenta uma mudança nos seus fundamentos. Quem melhor perceber os contornos e a amplitude desta mudança, mais bem preparado estará para enfrentar as suas consequências.