Só quem não conhece a nossa terra poderá ignorar que houve nela, desde sempre, duas classes profissionais política e socialmente determinantes: o médico e o bacharel em leis.
Alavancas eficazes de enriquecimento e fortuna, sempre se bandearam com todos os poderes. Serviram-nos e serviram-se deles. E foi a elas que, durante séculos, o país se habituou a tirar o chapéu.
O terramoto da emigração da década de sessenta e as perturbações dos últimos trinta anos alteraram em parte este quadro. A proliferação escandalosa de universidades privadas, que ministravam cursos de direito, alterou as normas da coutada e criou um exército de bacharéis aflitos. Já uma faculdade de medicina não se improvisa com lápis e papel. Ainda por cima, a introdução do numerus clausus nas escolas existentes aprofundou a escassez de médicos, provocando um défice dramático que só o recurso a clínicos estrangeiros permitiu ultrapassar.
Embora nunca nomeado, é inegável o papel que nisto teve a distinta Ordem dos Médicos. Mas só ela não bastava. Agora é a Associação Nacional de Estudantes de Medicina a queixar-se de dores no cotovelo. Não há razões para a criação de um novo curso, porque em breve o país terá médicos a mais. Que se importem entretanto da Bolívia.
Incapaz de gerar elites que o dirijam em lugar de o traírem, não se vê como pode Portugal viver com dignidade.