quinta-feira, 31 de julho de 2008

Numerus Clausus

Só quem não conhece a nossa terra poderá ignorar que houve nela, desde sempre, duas classes profissionais política e socialmente determinantes: o médico e o bacharel em leis.
Alavancas eficazes de enriquecimento e fortuna, sempre se bandearam com todos os poderes. Serviram-nos e serviram-se deles. E foi a elas que, durante séculos, o país se habituou a tirar o chapéu.
O terramoto da emigração da década de sessenta e as perturbações dos últimos trinta anos alteraram em parte este quadro. A proliferação escandalosa de universidades privadas, que ministravam cursos de direito, alterou as normas da coutada e criou um exército de bacharéis aflitos. Já uma faculdade de medicina não se improvisa com lápis e papel. Ainda por cima, a introdução do numerus clausus nas escolas existentes aprofundou a escassez de médicos, provocando um défice dramático que só o recurso a clínicos estrangeiros permitiu ultrapassar.
Embora nunca nomeado, é inegável o papel que nisto teve a distinta Ordem dos Médicos. Mas só ela não bastava. Agora é a Associação Nacional de Estudantes de Medicina a queixar-se de dores no cotovelo. Não há razões para a criação de um novo curso, porque em breve o país terá médicos a mais. Que se importem entretanto da Bolívia.
Incapaz de gerar elites que o dirijam em lugar de o traírem, não se vê como pode Portugal viver com dignidade.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

À manhã, que hoje apareceu farrusca...

... a luz divina de Sorolla!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A Cimeira da Língua

Nos anos de 85 e 86 estava eu em Angola. E às vezes via passar, nas ruas de Luanda, o autocarro espanhol, que levava à escola os meninos de Espanha. Outras vezes cruzava-me, nas ruas de Luanda, com o autocarro italiano, que levava à escola os meninos de Itália. Mas nunca vislumbrei, nas ruas de Luanda, o autocarro português. Vim a saber depois que não fazia falta, já que então não havia uma escola para os meninos de Portugal. Isto apesar de a escola portuguesa ser o lugar natural que aguardavam os meninos duma certa elite angolana.
Primeiro eu ficava perplexo, depois acabei revoltado, e mais tarde esqueci-me de tudo. E só voltei a lembrar-me da questão, quando há dias ouvi uns governantes a fazer juras de amor à língua portuguesa. É desta vez que apostam finalmente na sua defesa e valorização, com eloquentes trombeteios.
A ideia há-de parecer edificante, porém não passa duma intenção piedosa. Pois quem desleixa cautelas premiadas, só lhe resta apostar em rifas brancas.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Ecos da Sonora VI

Esta menina, que tem doze anos e três irmãos mais novos, desce pela mão da mãe o portaló dum vapor colonial, na Rocha do Conde de Óbidos. Nasceu e fez-se o que é numa província ultramarina, onde o verão e a liberdade eram eternos. Agora acaba de chegar a um país tristonho, num dia de inverno cinzento, e em breve apanhará um comboio ronceiro, com bancos de madeira, que vai partir para o Norte. E quando chegar ao Porto, estão a dar-se em casa de Rubinho os últimos retoques na montagem da árvore de Natal, que já dura há uma semana.
Anos depois, quando Rubinho passar férias na Granja, esta menina vai chegar no comboio todas as manhãs, e venderá saquinhas de pipocas na praia, para ajudar a mãe a manter a família.
Anos depois, quando Rubinho andar entretido a descobrir a vida no peito acolchoado duma senhora inglesa, há-de afagar a menina as frieiras dos dedos, por causa da água gelada do tanque, onde lava a roupa das camas dos hóspedes, para ajudar a mãe a manter a família.
Anos depois, quando Rubinho for para a universidade, onde o esperam os mestres que lhe hão-de explicar o pensamento dos filósofos, irá esta menina à escola técnica nocturna, que as horas do dia são para ajudar a mãe a manter a família.
Anos depois havemos nós de ler as memórias de Rubinho, e adentrar-nos com ele nos meandros do surrealismo. O que nos valia a pena era aprender a sustentar uma família. Mas o mundo é o que é, se não o que dele fazem.

da capo - 3

Vais-me dizer que eu inventei a história. Que eu sou um cínico e a história é impossível. Andas muito longe da verdade.
O padre Abreu não é padre, nunca chegou a sê-lo. Não tem cabeça para teologias, e as latinadas cansam-no. Mas veste-se à futrica, como os padres modernos, e sempre que pode exercita a função. Mora aqui na cidade. E o povo, que não separa o facto do direito, chama-lhe padre Abreu. Terá razão, que o padre Abreu não sonha com outra coisa, passa a vida na sé. Ajuda à missa, cuida da liturgia, aconselha as devotas e decora os responsos. Já perdoou pecados capitais, e há gente que entrou no céu por sua mão.
Há tempos foi preciso enterrar um cristão, numa aldeia dessas despovoadas, onde nem padres vão. E o padre Abreu lá foi, a encomendar o defunto, a fazer-lhe o funeral. Mas os parentes vieram a saber que o padre Abreu nunca tomara ordens, e temeram o pior. Puseram-lhe uma demanda em tribunal.
O padre Abreu sentou no banco dos réus a gravidade e a mansidão dum sócio do Vaticano. Alegou em defesa o serviço de Deus e afiançou as encomendações.
- Pois faça lá o responsório dum defunto! - ordenou o juiz, a esfolhear os códigos. - Já veremos se merece remissão!
Não pedia outra coisa, o padre Abreu. O meretíssimo acabou apaziguado, como quem deixa um amigo em boas mãos. E absolveu o réu.

À manhã, que apareceu embuçada...

... a luz divina de Sorolla!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Relíquia antiga I

O bartolomeu não sabe explicar por que tomou a decisão de subir ao chiado, naquele dia à tarde. Certo está apenas de já não guardar esperanças no peito, à medida que ia subindo a rua nova do almada. Dormia há três meses nas arcadas do ministério das finanças, encostado a um pilar que os pombos ainda respeitavam. Esmolava no sul e sueste, quotidianamente posto em risco pelas avalanches de pernas que desaguavam de cacilhas, e aventurava-se a um almoço na económica dos anjos quando as forças lhe deixavam subir a avenida, o que era raro. Nesse dia trepou ao chiado como quem vai de férias.
Olhai as aves do céu, que não semeiam nem colhem! Soletrou o cartaz pendurado ao cimo das escadas da igreja dos mártires, que no íntimo sentiu como sua, porém sem cogitar o milagre que ali estava à espera. Atravessou o guarda-vento, tacteou ao longo da parede, e lançou os dedos à pia da água benta, num gesto que desenterrou duma memória antiga. E foi quando a mão direita lhe transitava, canhestra, entre o pai e o espírito santo, que os olhos se afizeram à obscuridade e decifraram o peixe picotado no lioz da coluna, mesmo por cima do tanque.
Pouco dado a leituras cabalísticas, o bartolomeu ficou surpreendido. Mas logo saltou da surpresa para o espanto, quando viu o peixe desprender-se da pedra e mergulhar na água benta, num encarpado perfeito. Arqueou as sobrancelhas, roçou um punho nos olhos, não queria acreditar. Procurou assento num dos bancos corridos e ali ficou, de queixo nas mãos, enquanto a fresca atmosfera da nave central lhe assentava lentamente na cumeada dos ombros. À saída foi espreitar a concha da água benta. O pequeno dorso do peixe evolucionava lá dentro, a lavrar, cuidadoso, as lodagens do fundo.
Oito dias depois regressou à igreja, e lá encontrou o vulto escuro a remexer as águas. Mas o que via agora eram dois palmos de lombada sólida e carnuda, de barbatana inchada, abrindo as guelras ávidas ao maná da água benta. Logo ali capturou o robalo a mãos ambas, fê-lo desaparecer no bolso e foi tratar do jantar.
No dia seguinte foi à igreja de são roque e saiu-lhe uma carpa enorme. Na sé teve direito a salmão. Nos jerónimos ia-se empanturrando de besugos, de linguados, de azevias. O bartolomeu tem o futuro assegurado. Levará muitos anos a percorrer as pias de água benta de lisboa. Depois há-de vir o porto, santarém, a idolátrica braga... E o bartolomeu olhará, sem cobiça, os pássaros do céu, enquanto for correndo as capelas do minho, à espera duma lampreia.

Os bombardeiros russos na Venezuela! Lá vão eles atacar a Casa Branca!


Foi com esta notícia, literalmente bombástica, que os agentes variados da desinformação nos bombardearam ontem a cabeça.
Convém aos donos do mundo que ela se mantenha dócil, domesticada, receptiva e disponível, para engolir qualquer acção contra os agentes do mal. Mormente se tiverem petróleo e andarem tresmalhados, como é o caso da Venezuela.
Para atingir um tal desiderato, a desinformação, a calúnia e a falsidade são armas de uso recorrente e garantido. E nem sempre se torna indispensável deitar abaixo duas torres gémeas.
Desta vez a patranha é de tal ordem, que nem o espírito simples do Barreto a engolirá. Esse mesmo, que confundiu desejos com realidades, e se deixou levar pela montagem descarada da carta dum almirante.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Filha-da-putice







[não se esqueça de clicar]
Para quem já consumiu tardes a ladear o Vouga, a A 25 é uma rota da seda. Saindo a horas do Porto, qualquer um pode almoçar em Samarcanda. O pior é a curva do Sátão.
Na curva do Sátão só se pode andar a 80 Km. Ninguém conta com uma coisa dessas, numa auto-estrada, mas há mistérios no mundo que só os técnicos sabem. E se eles instalaram um radar, a impor a limitação, é bem possível que passe, na curva do Sátão, uma fractura tectónica activa, a ameaçar vulcões! Ou um triângulo novo das Bermudas, quem vai agora saber?!
O facto é que um viajante, com pressa de chegar a Samarcanda, vai rolando a 130. Razão bastante seria para os técnicos se anteciparem a sinalizar o perigo, a aconselhar precauções. Pois não senhor! As quatro imagens acima mostram com toda a clareza que não só se omitiu uma advertência atempada, como também se ocultou o radar. Até ser tarde demais.
- Na imagem Nº1 (onde a distância está falsificada) um viaduto esconde o que nos espera a 400 metros de distância.
- Na imagem Nº2 (onde a distância está falsificada) estamos a 300 metros do radar, sem haver qualquer sinal de limitação.
- Na imagem Nº3, a 150 metros do radar, aparece-nos à esquerda, pela primeira vez, uma limitação de 100 Km, logo seguida de nova limitação de 80. No meio da panóplia de sinalefas avulsas, a placa de saída para o Sátão ajuda a confundir-nos a atenção. E a sinalização do radar, já emboscado à nossa espera, está escondida atrás dum placard que nos indica a Espanha.
- Na imagem Nº4 estamos a 60 metros do radar. Mesmo assim, para o ver, é necessário clicar. Mas já é tarde demais. Mesmo se o condutor for uma besta, e se montar em cima do travão.
A última vez que fui a Samarcanda, passei aqui a 128 Km/h. Já recebi o postal da intimação. A ver vamos como acaba isto.

Penhora

Azar dos Távoras foi o daquele polícia da esquadra da Damaia! Destacado para Olhão numa campanha estival, tropeçou em dois maduros que traficavam cavalo. E prendeu-os, pois claro!
O juiz agendou o julgamento e mandou-os aguardar em liberdade. Naturalmente eles não compareceram.
E deste modo não figurava nos autos quem pagasse as custas do processo... a não ser o polícia da Damaia. O qual encontrou razões para se eximir à sentença, chutando a bola para o campo do adversário.
Ficou sem melhor escolha o meretíssimo. E penhorou ao agente o domicílio constante dos autos, que era a esquadra de polícia da Damaia.

À manhã, que não ata nem desata...

... a luz divina de Sorolla!

terça-feira, 22 de julho de 2008

A matilha das gruas

Gostei sempre das hortas nas traseiras. Vejo-lhes da janela a geometria, o xadrez dos talhões, os verdes variados, e esqueço-me de que estou numa jaula de betão. Da Mariana, então, é melhor nem falar! Quando viemos para aqui, há-de haver uns dez anos, estava a começar a primavera. Pois quem a quisesse ver era à varanda, logo cedo, que os hortelãos chegavam antes do sol, se o sol nascia. E andavam horas ali, a formigar, numa errância caprichosa, a que não se via o fim. E só ganhava sentido algum tempo depois com o chão a mudar de cor, quando as couves começavam a crescer, as alfaces deitavam corpo, e os fios do feijão verde se enrolavam nas estacas.
Eu encostava-me a ela na varanda, os olhos a correr pelo telhado escuro da igreja modernista, ali ao lado, pelo campo de brincadeiras duma escola, pela copa duns eucaliptos que baloiçavam na brisa, ao pé dum logradouro de silvados. Havia casas de pedra e um renque de choupos numa quinta de milho, que verdejava ao lado duma fábrica. Ao fundo cruzava uma estrada onde os carros passavam a correr, que tinham pressa de chegar a Braga. E do outro lado os cubos de pedra duma universidade, e um vulto confuso de hospital, onde uma chaminé por vezes fumegava.
O resto era o casario da cidade, a espreitar atrás das tílias até ao horizonte. Adivinhava-se ao longe Matosinhos e as terras de Leça da Palmeira, via-se ao fundo uma nesga de mar, se a neblina deixava. Foi assim durante muito tempo.
Até que as gruas amarelas chegaram, há dois anos, e começaram a ruminar talhadas de paisagem. Deixou de se ver a fábrica e a escola, e a estrada que vai para Braga, e o logradouro das silvas, e as casitas de pedra no meio do milharal. O mundo tornou-se mais pequeno e até o hospital desapareceu. Ficou só este angulozito onde espreitam eucaliptos, copas difusas de tílias e uma lembrança de mar. Mas já chegou a grua que faltava, e as máquinas de lagartas.
É por isso que eu gosto das hortas nas traseiras, com telheiros de galinhas e latadas de uvas morangueiras. Não me explicam os absurdos do mundo, mas olho para elas como se fossem minhas. E tenho fé que hão-de manter-me em respeito a matilha das gruas.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

da capo - 2


Na biblioteca da terra vou à procura de sossego. Dum acesso à internet para falar com o mundo. Duma trégua da canícula.
Lombadas indolentes ressonam nas estantes. Adolescentes amotinam-se em guerras virtuais. Três funcionárias pôem a vida em dia em volta dum balcão. Chegam mais duas a trazer novidades, picando o salto agulha no parquet flutuante. Um bebé rasteja no soalho, a perseguir uma bola. E num ecrã de parede o Roberto Leal lacrimeja paixões.
Ainda chego a ensaiar um contra-ataque, mas acabo por bater em retirada. Antes a velha canícula. Antes mandar ao mundo uns postais ilustrados.

domingo, 20 de julho de 2008

Linha do Tua

[clique na imagem]
É isto que querem riscar do mapa, debaixo duma barragem?
Eu ofereço já, em troca, uns cavalinhos que eu sei, ali no Côa! E podem levar, de bónus, toda a arte contemporânea!

Requiem

Quando vi, na revista LER, que uma autora determinada atingira o milhão de exemplares, fui a correr para não perder o milionésimo. Faz-me falta, a mim, a literatura. E as dez páginas de entrevista numa revista daquelas, apesar das armadilhas escondidas no trajecto, funcionaram como uma caução.
Ingenuidade minha, que vivo alheio às coisas do mercado e às vezes pago por isso. Mas ouvir dizer à autora que a sua literatura fez abanar não sei quê, e um certo dia ressuscitou o mercado por milagre dos seus livros, além de que o Saramago, vamos lá, ganhou o prémio Nobel, e abriram as FNAC, e também porque as pessoas que vão ao supermercado passaram a comprar a margarina mais os livros, e assim se viram a ler... tudo aquilo me empolgou.
Queria ver o que é isso de contar a vida tal como ela é. E saber se aquela história já se passara comigo. Queria talvez convencer-me, sei lá, de que a minha vida também dava um bom romance. Vim para casa e pus-me a ler.
Cheguei à página vinte atolado em inanidades, e da trinta não passei, que já os olhos mo não autorizaram. Voltei a ler a entrevista. E acabei por tropeçar no equívoco fatal de que vivem estes xaropes literários. Toda a arte que têm para nos dar é aquela que se mede pelo mercado. Quer dizer, é a que cada um de nós quiser. Não há outro cânone, outro valor, outro critério, senão o da nossa inépcia consumidora. Tudo aquilo que se disse, e se teorizou, e se sentiu e se arriscou fazer, durante séculos, na literatura, perdeu significado e importância no alegre mundo literário desta gente. A isso chama a autora tirania literária, e só ouvir-lho dizer provoca o riso.
"As pessoas compram porque querem!" Lá nisso dou-lhe razão. E escreva cada um o que souber. Chame-lhe palha, chame-lhe vigarice, chame-lhe produto descartável. Mas não lhe chame literatura, que isso é uma grande falta de respeito.
Pus de lado a entrevista mais o livro, de que salvei dois parágrafos. E fui ouvir um Requiem que ali tenho, como quem faz penitência. Pelos 50 embondeiros que foram sacrificados ao meu milionésimo exemplar de papelada inútil. E pelos tristes compradores em que me incluo, esses idiotas úteis, que trazem ganga para casa, quando podiam trazer mais margarina.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Ainda o petróleo... noutra perspectiva

Se o dólar perdesse o suporte do petróleo
o império americano deixaria de existir
Um estado-nação cobra impostos aos seus próprios cidadãos, enquanto que um império cobra impostos a outros estados-nações. Desde os Gregos e Romanos, aos Otomanos e Britânicos, a história ensina que a base económica de qualquer império radica na cobrança de impostos a outras nações. (...)
Historicamente a cobrança de impostos a um estado-súbdito tomou diferentes formas. Geralmente ouro e prata, mas também escravos, soldados, colheitas, gado e outros recursos naturais. E os impostos imperiais foram sempre directos: o estado submetido entregava os bens económicos directamente ao império.
Neste momento, o presidente americano G. W. Bush já reconhece que não disse a verdade sobre as verdadeiras razões que o levaram à guerra no Iraque. Não foram nem o petróleo, nem as armas que ele sabia não existirem, nem a democracia que lhe não importa um chavo, nem sequer acabar com Saddam, que ao fim e ao cabo era um travão à expansão islamita para ocidente. A verdadeira razão é que a economia do império americano estava em grande perigo, devido ao facto de o Iraque ter decidido vender o seu petróleo em euros, em vez de dólares.
Quando o presidente Roosevelt, depois da grande depressão de 1929, desvinculou o dólar do padrão-ouro, abriu a porta ao império do dólar, estabelecido como divisa única. Isto permitiu a emissão de dólares sem contrapartida em reservas de ouro. Como consequência, os americanos têm beneficiado da emissão livre de dólares, como no caso do financiamento da guerra do Vietnam. Na realidade os Estados Unidos nunca poderiam amortizar a gigantesca emissão de dólares com reservas de ouro, donde resultaria a bancarrota do estado americano. Os restantes países têm assim estado sujeitos a um imposto imperial, em benefício dos EUA. Forçados a dar uma razão ao mundo, forjaram essa razão com os pagamentos do petróleo.
Se todos os países pagassem o petróleo em euros
o sistema financeiro americano iria à bancarrota
À medida que se tornava claro que os seus dólares não poderiam ser amortizados em ouro, o governo dos EUA fez um acordo inflexível com a Arábia Saudita, em 72/73: em troca de apoiar o poder da Casa de Saud, esta aceitaria unicamente dólares americanos nas suas transações de petróleo. O resto da OPEP não pode senão imitar essa atitude. Uma vez que os países tinham que comprar petróleo aos árabes, eis uma razão para possuir dólares como meio de pagamento. O mundo necessitava de quantidades de petróleo cada vez maiores, a preços crescentes. E os dólares não podiam trocar-se por ouro, mas trocavam-se por petróleo. Assim se consolidaram como divisa, aumentando a procura de dólares à medida que crescia a do petróleo. O império continuava assegurado.
O Iraque fez as primeiras transações de petróleo em euros, e não se deu a isso grande importância. Mas quando o Irão se propôs exigir pagamentos em euros e ienes, soou o alarme. O império estava em perigo, e o Iraque pagou pela sua ousadia. Apesar do prolongado pesadelo da guerra do Iraque, Bush pôde declarar que a missão estava cumprida. O petróleo era de novo pago em dólares, e a sua supremacia fora restaurada.
O governo do Irão desenvolveu finalmente a última arma que, não sendo nuclear, pode destruir rapidamente o sistema financeiro que sustém o império americano: a Iranian Oil Bourse. Baseada num mecanismo de comercialização petróleo-euro, implica pagamentos em euros. Isso representa uma ameaça à hegemonia do dólar, maior que a de Saddam. Pois se todos os países efectuarem pagamentos em euros, o sistema americano irá à bancarrota, por não poder amortizar em ouro a avalanche de dólares devolvidos. (...)
Não é verdade que haja escassez de crude no mercado, nem que se esteja a produzir menos. (...) Os próprios EUA continuam a consumir petróleo como nos bons tempos - 20 milhões de barris diários, enquanto a China consome sete. Neste estado de coisas, é difícil adivinhar um ponto máximo de inflexão dos preços.
(Texto-base de Marcelino Cuéllar)
- Os EUA não podem aceitar a Iranian Oil Bourse.
- Os EUA julgam que não podem aceitar o programa nuclear do Irão.
- Os EUA não podem atacar o Irão, pois se o fizerem privam o mercado dos 4 milhões de barris diários que ele produz, e põem em risco os 17 milhões que passam no estreito de Ormuz.
- Enquanto sim e não, os EUA mandam um sub-secretário à reunião de Genebra, a discutir o enriquecimento do urânio. Dizem que levam o assunto muito a sério, e enviam-nos a conta para a caixa do correio.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O bom estratega...



... prevê qualquer cenário.
E se não tiver cão...

Loja de quê?! - Upgrade

E lá fui, custou-me a tarde inteira, a corrigir o Documento Único ao Instituto da Mobilidade. Pedi o livro de reclamações, puseram-me na frente um director-geral. E cinco dias depois lá chegou no correio a nova certidão de nascimento do velho couraçado.
Este retomara a cor original, livrou-se da capota que à falsa-fé lhe vestiram, ganhou o peso certo. Mas a data da matrícula continuava errada, e o motor, agora, gastava gasolina. Logo agora, ao preço a que ela está! Os seis cilindros, que eram o meu encanto, iam arruinar-me o orçamento! De forma que voltei ao Instituto.
Fui como quem lá vai pela primeira vez. Armei-me de paciência, contive indignações, deixei-me de protestos. Já nem pedi o livro de reclamações, para não ter que aturar um director-geral. O que eu queria era salvar o couraçado.
Passaram três semanas, até agora nada! E eu que não vejo o fim desta mofina história, vou começar a dizer mal do governo. Há-de ser a solução. A acreditar em tantos patriotas que por aí andam a vozear, tem que haver um ministro qualquer responsável por esta mala-pata. Está-nos na massa do sangue, se não for a história a explicá-lo.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

À manhã, que tergiversa...

... a luz divina de Sorolla!

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Conto perfeito

... em que aqui se reincide, para que os mestres do género possam dormir sossegados.

A NINFA
Eram os olhos a maior perdição dela. Tão grandes que neles cabia o mundo, tão escuros e fundos que lembravam o mar. Depois vinha a estampa límpida do rosto, debaixo da gaforina asa de corvo. O lábio húmido, a carnação macia, a flor da face cheia de mistério, a prometer abrir-se num sorriso que não chegava a abrir. O resto era o colo generoso, o ventre inquieto, as colunas das ancas a prometer abismos.
Ninguém sabe explicar como apareceu ali, criada na aldeia, aquela ninfa antiga. Olhava-se para ela e vinham à lembrança as deusas primitivas da fertilidade. O mesmo nome, Pristila, era um sinal pagão.
Dava escola para os lados de Aveiro, e vinha a casa sempre que podia. Chegava na carreira ao fim da tarde, porque o pai, atento à vida, a reclamava. A bem dizer, era a aldeia inteira que a exigia.
Na vila sabia toda a gente que o Tunante não era boa rês. Era um vilão bastardo, que fazia do mundo uma coutada de caça. E todos lhe guardavam respeitinho, mais por instinto primário de defesa do que por atributos que não tinha. A ninfa confundiu nele a brutidade grosseira com predicados de macho dominante. E quando vinha à vila, a passear, nem lhe escusava as gaifonas atrevidas, nem os avanços de bruto galaroz. E acabou, já mansa e confundida, a enlear-se no assédio do bargante.
No dia em que as férias começaram chegou a ninfa à vila, desceu da carreira ao fim da tarde. Uma outra que vinha do comboio e seguia para Trevões havia de pô-la em casa. Mas o Tunante já estava à espera dela. Cercou-a de rapapés e cortesias, havia de lhe mostrar a loja nova, logo à entrada das muralhas.
A ninfa deixou-se conduzir. E quando veio a hora da carreira, à beirinha da noite, prometeu-lhe o Tunante que um amigo a levaria a casa, de carrinho, à moda das princesas. Ela deixou-se ficar, rendida a semelhante gentileza. Tinha mesa posta e banquete preparado, bom presunto, melhor queijo, de vinho bastava-lhe um dedal, não estava acostumada.
A princípio o Tunante foi cordato, coroou-a de gentilezas, quis levá-la com bons modos. Penteou-lhe a gaforina, passeou-lhe as mãos no flanco, encheu-lhe o copo de vinho. E abriu-lhe um botão do peito, só para ter uma visão.
A ninfa ainda cedeu, o coração num galope. Dum lado o corpo inteiro a amotinar-se, o sangue a romper as veias, o ventre incendiado a extravasar. Doutro lado um grande medo, a cara dele a perder as feições, e um gesto tão poderoso que assustava.
Quando quis despir-lhe a blusa a ninfa ainda resistiu. Mordeu o lábio para evitar um grito, cruzou os braços no peito sublevado, encolheu-se no medo. E o Tunante deteve-se um momento, pareceu abandonar o campo de batalha. Foi ajeitar, ao canto, as mantas que lá tinha, depois apagou a luz, ergueu num braçado a ninfa amedrontada e foi estendê-la no chão.
Lá fora passaram socas a tropear na calçada. Porém a ninfa hesitou, reteve outra vez um grito. E já dois braços poderosos lhe sujeitavam o corpo, e as pernas brutas lhe apartavam as colunas, e rudes mãos lhe devassavam o peito. As socas na calçada voltaram a tropear, mas a ninfa retraiu-se num silêncio. Conteve a respiração, não fosse ouvir-se lá fora o ranger do bragal que estilhaçava. Por três vezes entrou nela um vendaval, três vezes a desfolhou. Depois caiu uma escuridão desamparada e um lago que arrefecia, de lágrimas, de sangues, de suores.
Por fim bateram à porta, era o outro que chegava. Aconchegou a ninfa no banco de trás do seu Volvo marreco e arrancou. Antes de a deixar em casa, era ainda madrugada, foi parar na carreteira dos moinhos do Alcaide, ninguém ali passava àquela hora.
O Tunante recolheu as mantas, fechou a porta da loja. Uma ninfa desfolhada dava casamento certo, era raspar-se um homem para o Brasil ou sujeitar-se aos códigos. Porém, em sendo o festim a meias, era ela assumida marafona e os códigos sossegavam. Cumprisse o amigo a sua parte, estava o caso resolvido.
Quando o outono chegou, depois das primeiras chuvas, O Tunante subiu para a camioneta e foi recolher à aldeia uns contratos de centeio. Bem o avisaram as sibilas, que desfizesse o negócio, que por lá tinha a morte prometida. Mas ele guardou a sovaqueira no casaco e lá subiu a encosta, a governar a vida. Um homem não saiu para outra coisa das mãos do Criador.
O pai da ninfa já estava à espera dele, encostado no alpendre. E quando o viu saltar da camioneta, de machado nas unhas foi-se a ele. O outro ficou surpreendido, não queria acreditar. Estendeu a mão à sovaqueira e começou a ladear, a ver se era bem verdade. Mas o homem trazia no carão a fúria dum deus irado, como quem chega duma tragédia antiga, o melhor era levar a coisa a sério. E desatou a correr.
As mulheres espreitavam à janela, e havia gente que parava nas hortas, a olhar silenciosa. A própria tarde parou, a ver um homem correr estrada abaixo, atrás doutro que fugia. Quando o sentia mais perto, virava o braço para trás e disparava. Disparou à passagem do ribeiro, e à horta da Teresa Côta, e à subida do negrilho, e à curva da fraga grande.
Agora chegámos nós à fundeira da encosta, e já cruzámos a estrada, e temos à nossa frente o açude da ribeira. Não nos sobra mais que um tiro, e já nos queima o pescoço o bafo de um deus irado. O Tunante apontou-lhe ao coração e disparou. E o machado, que lá vinha como um raio, enterrou-se-lhe no ombro.
Mas vem dalém um pastor, a correr em altos berros, vem salvar esta desgraça. O primeiro já está morto, nada podemos fazer. Para que nos serve o segundo, um vagabundo. E num golpe de machado abriu-lhe a cabeça ao meio.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Cesarinas da casa

À mulher de César não bastaria ser séria, era preciso parecê-lo. Foi isso que se aprendeu.
Mas ontem, no JN, Manuel António Pina delimitou, com agudo rigor, a estreitíssima fronteira da seriedade das nossas cesarinas.
Ser sérias não lhes importa, nem as aflige parecê-lo. Já lhes basta que a justiça nunca consiga provar, que não passam de assumidas marafonas.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Costumes brandos

[clicar na imagem]
O mito é uma falsa ideia, amplamente instilada e seguida, com determinado fim. Dizem depois que sem ele não se pode viver.

Em Portugal, no primeiro trimestre de 2008, desassete mulheres acabaram dizimadas pela violência doméstica. Do marido, do amante, do namorado, do chulo. Outras onze escaparam ao ensaio.
É o caso desta figura oscilante, uma mulher com 88 anos, que saiu do hospital com o braço esquerdo em gesso, e traz suturas na fronte, e este corpo profanado de vergões.
Para lá do estupor, sobram-nos duas perguntas, além da primordial:
- O que é que levou o herói a esperar tantos anos?
- Foi o mito que o travou?

Instinto gregário

Estranho muitas vezes a cidade, ou ela me convida à sedição. Por feitio ou por fadário não tenho muitos amigos, e os poetas que aprecio já morreram. Faço a vida um tanto solitária, e vou considerando o mundo à distância a que está. Arruadas de gente a esbracejar paixões, famílias inteiras na romaria do shopping, pracetas de reformados a discutir um trunfo.
Às vezes põe-se-me a ganir o instinto gregário, claudica-me a rebeldia, oiço claramente ladrar a solidão. E é quando vou, na esperança duma voz compassiva, à procura dum ouvido confidente. Chego a andar centenas de quilómetros.
Não raro encontro só ególatras eufóricos, e umbigos ensimesmados, e náufragos em procela.
Logo me volto a casa apaziguado, a agradecer o meu silêncio aos deuses.

domingo, 6 de julho de 2008

Sociedade fracturada

(...) Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que já nem com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia cívica e políticamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. (...)
[Guerra Junqueiro, PÁTRIA, 1896]

Uma sociedade só chega à modernidade quando todos os seus elementos, na sua natural diversidade, mutuamente se valorizam e respeitam. Não praticam qualquer igualitarismo, não vivem às palmadinhas nas costas, nem são adeptos do franciscanismo. Porém o catedrático e o canalizador, o administrador e o camponês, o pescador e o médico, o professor e o lojista, têm todos função indispensável. Formam um todo orgânico, viajam todos num convés comum.
Uma sociedade cujas elites não valorizam o povo, se antes o não desconhecem e desprezam, é uma sociedade fracturada e falhada. Está condenada ao naufrágio, não sairá do ancien régime. E uma boa parte dos seus concidadãos nunca chegará a sê-lo.
Esses marginalizados, que não vêem reconhecido o seu lugar, são o verdadeiro tesouro dos privilegiados. A exclusão de uns é a fortuna dos outros. Vivem uns do orçamento, enquanto servem aos outros as trovas do 5º império.

sábado, 5 de julho de 2008

Petróleo

Com vénia ao Dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO-Portugal

Preço do petróleo: o problema está abaixo ou acima do solo?

Nos últimos 200 anos, tanto o crescimento económico mundial como o progresso social foram alimentados por um combustível que veio substituir o carvão, tal como este, décadas antes, já havia substituído a lenha. Esse combustível é o petróleo, uma forma de energia extremamente vantajosa e conveniente: pela sua elevada densidade energética; por se encontrar altamente concentrada em pequenas áreas de exploração; por ser flexível no uso; por ser fácil de armazenar e transportar. Um dia a Humanidade terá também de substituir esta forma de energia, e é esse o grande desafio para as gerações vindouras. Se não for resolvido, poderá pôr em causa a forma de viver tal como hoje a conhecemos.
Em 1956 M. Hubbert King, um geólogo da Shell, vaticinou correctamente o início do esgotamento do petróleo americano a partir de 1970. Foi então que surgiu o conceito de "pico de petróleo", para significar a data e o correspondente valor de produção a partir dos quais o volume de extracção, a nível mundial, entraria em queda irreversível.
Para os seguidores desta linha de pensamento, as razões para a escassez e para os altos preços do crude são geológicas e estão, portanto, abaixo do solo. Argumentam que grandes áreas de exploração como o Mar do Norte e algumas das maiores jazidas de petróleo convencional, tais como o super-gigante Gawhar na Arábia Saudita ou Cantarel no México, entraram em declínio. E que os novos projectos de exploração em curso não serão suficientes para compensar esse declínio.
Acrescentam ainda que, apesar das novas e mais sofisticadas tecnologias de prospecção, as grandes descobertas ocorreram nas décadas de 60 e 70, e que actualmente se consomem 4 barris de petróleo por cada um que é descoberto. Por outro lado, o custo da produção aumenta (traduzido pelo EROEI, que significa o retorno energético do investimento, ou seja, quantos barris de petróleo se produzem com o custo de um barril) e o petróleo que se descobre agora custará muito mais a produzir.
Para estes analistas, a data da ocorrência do pico do petróleo mundial não é unânime, e na verdade só poderá ser identificada "a posteriori". Mas está hoje bastante consensualizada a opinião de que deverá acontecer no período entre 2009 e 2015. Depois disso, o valor máximo a produzir, para a categoria designada como "total de líquidos" (que inclui o crude, o condensado e os hidrocarbonetos produzidos a partir do gás natural) deverá ser inferior a 100 milhões de barris diários. Este valor será insuficiente para satisfazer uma procura estimada em 130 milhões de barris, no horizonte de 2030.
Contrariando este pessimismo, outros analistas consideram que as razões para os elevados preços do crude são sobretudo políticas, económicas ou financeiras e estão acima do solo. Argumentam os defensores desta ideia que situações de carência e preços elevados já aconteceram no passado e sempre se encontrou uma solução; que não têm sido feitos os investimentos necessários na pesquisa e exploração; que existe muito petróleo para explorar e que tudo é uma questão de investimento; e atribuem sobretudo à especulação financeira a actual espiral ascendente de preços.
Do lado dos mais optimistas, os que acham que as razões estão acima do solo, encontram-se muitos analistas financeiros e alguns gabinetes de consultores, dos quais se destaca a CERA liderada por Daniel Yergin, conhecido escritor que há alguns anos venceu o prémio Pulitzer. E, de um modo geral, os responsáveis das grandes empresas petrolíferas, a começar pelo presidente da nossa Galp, Ferreira de Oliveira.
Para estes analistas, existem ainda consideráveis e inexplorados recursos petrolíferos em diversas áreas do planeta: no Canadá, na Venezuela, nas bacias de águas profundas do Golfo do México, nas bacias atlânticas das zonas costeiras de África e do Brasil, e nas zonas polares. Tudo dependerá dos investimentos que vierem a ser feitos para aumentar a produção de crude.
Próximos deste grupo estão aqueles que, despreocupadamente e com alguma ingenuidade, acham que as energias alternativas contêm a solução; que a tecnologia irá resolver todos os problemas; e que o hidrogénio ou a fusão nuclear serão a solução do futuro.
As duas posições atrás referidas têm vindo a confrontar-se de uma forma cada vez mais pública e notória. Importantes personalidades têm vindo a inclinar-se para a primeira posição, ou pelo menos não a rejeitam. É o caso do próprio Presidente da Shell, Cristophe de Margerie e do economista chefe da Agência Internacional da Energia, Dr. Fatih Birol. O próprio Comissário Europeu para a Energia, Andris Piebalgs, tem tomado, na identificação das causas dos problemas, posições muito próximas destas.
Para complicar a questão, o acréscimo de consumo nas economias emergentes, sobretudo na China, vai acelerar o desequilíbrio entre a oferta e a procura. O consumo diário per capita na China é de 1 litro, muito longe dos valores americano -10 litros- ou europeu -5 litros. Cada litro de aumento da capitação chinesa requer a produção de mais uma Arábia Saudita, que é, nem mais nem menos, o maior produtor mundial.
O petróleo é finito, e o problema dos limites à sua extracção está, e estará sempre, abaixo do solo. Mas entendê-lo e resolvê-lo só poderá ser feito acima do solo. A propósito, ocorre citar Einstein: "Um problema não pode ser resolvido pela mesma mente que o criou". A Humanidade enfrenta uma mudança nos seus fundamentos. Quem melhor perceber os contornos e a amplitude desta mudança, mais bem preparado estará para enfrentar as suas consequências.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Chapeladas

[clicar na imagem]

Não me eram desconhecidas, as chapeladas eleitorais antigas.
Mas uma coisa será ouvir falar, e outra bem diferente é ver, e tornar a ver.
Tão claramente expresso e declarado em ofício da PIDE, que deixa de ser lícito esquecer.
Era isto 1969.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Negreiros

(...) Dois ciganos de Guimarães prometeram-me 40 € por dia. E eu comecei em Saragoça, a fazer paletes de madeira, a 20 € por semana. No pagamento descontavam-me os cigarros e eu não andava contente. Passado um ano encontrei um dos ciganos, levou-me para uma aldeia às apanhas da fruta. O patrão prometia 20 € à diária. O pior veio depois, que se virava contra nós à porrada, se não trabalhávamos como ele queria. Eram murros e estaladas. Estavam lá mais dez homens da zona de Coimbra, fui eu o último a fugir. Levei pancada por querer ir embora, acabei sem dinheiro nenhum. Saí de madrugada, de sapatos na mão, meti-me à estrada e andei 30 quilómetros. De manhã pedi boleia a uns camionistas, sem eles não me safava. Aquilo é uma escravidão. (...)

Espanha e Holanda são dois dos principais destinos desta emigração, aliciada as mais das vezes por agentes ciganos. E a coacção física é muitas vezes usada por outros portugueses radicados no destino. Mas já ninguém faz as viagens de barco, estendido e amarrado no porão. Pormenor a resgatar da vergonha os que mandam no país, se há muitos séculos a não tivessem perdido.

Factura

Um certo figurão americano confessa impudicamente que um segundo atentado terrorista seria vantajoso para os conservadores da América.
Mas não explana as vantagens que os mesmos conservadores foram buscar ao primeiro.
Bom era que nos dissesse quem foi que o orquestrou. Mas pedir tanto seria pedir demais.
Baste-nos saber, por ora, que a factura já chegou à caixa do correio.