segunda-feira, 19 de junho de 2017

Comércios

2 - Fora de considerações de ordem moral e de critérios históricos, o pensamento que aqui se apoia é este: nenhum povo moralmente são resiste a séculos de desbragado tráfego de seres humanos.  
" (...) Não nos deve espantar esta importância da Carreira da Índia no transporte de escravos para Portugal. Como tivemos oportunidade de referir quando tratámos dos escravos índios, acontecia assim desde praticamente a abertura da Rota do Cabo e o volume de saídas só teve tendência para aumentar, à medida que, no séc. XVII, as mercadorias de luxo deixaram de ser suficientes para satisfazer a tonelagem das armadas.
Os escravos transportados, além de asiáticos das mais variadas origens, eram também africanos da costa oriental, resultado dum comércio que já era anterior à chegada dos portugueses e que estes continuaram.
Além disso, no regresso ao reino, por motivos justificados ou inventados, alegando por exemplo problemas técnicos ou de falta de água, as frotas procuravam fazer escala em Moçambique ou em Angola, reabastecendo-se aí de mercadoria humana em troca dos tecidos asiáticos. (...)
As frotas de 1665 e 1667 fizeram mesmo o pleno, parando em Moçambique, em Angola e na cidade da Baía. (...) Aproveitando esta paragem tripulantes e particulares vendiam na cidade baiana alguns dos escravos trazidos nas naus da Índia, prática de que há notícia desde 1698. (...) No caso dos escravos trazidos do Brasil, alguns já crioulos, quase sempre acompanhavam funcionários, militares ou emigrantes portugueses de regresso à pátria. (...)
Alguns dos proprietários podiam trazer, embora não fosse comum, dez ou mais cativos, e parte deles por certo eram vendidos a terceiros. Em 1727, um comerciante de escravos com loja no Bairro Alto mandava anunciar na Gazeta de Lisboa: Quem quiser comprar escravos e escravas boçais que vieram nesta monção de Cacheu, podem-nos vir ver à casa de Patrício Nolan (britânico?), no meio da Rua das Flores. (...)
O abastecimento do mercado português em mão de obra cativa passou a fazer-se em grande parte pela reprodução física dos escravos residentes, na esmagadora maioria de origem africana, tendo o fornecimento a partir do exterior deixado de ser regular e tornando-se irrelevante na maior parte dos anos. Só isso permitiu que, em 1761, o marquês de Pombal pudesse avançar coma proibição da entrada de novos escravos em Portugal, sem protestos dos comerciantes."