" (...) e lembro-me de Alcácer-Quibir e do rei Sebastião, do terramoto desta cidade de Lisboa, de D. Pedro V, o Hamlet português, e do seu mestre Herculano, cujo soberbo túmulo contemplei esta mesma tarde nos Jerónimos, e por último volta a pairar sobre mim o enigmático e triste sorriso de Eça de Queirós.
Entretanto vão e vêm as pessoas desta cidade cosmopolita; parecem contentes, riem, gesticulam, acodem aos seus negócios ou às suas distrações. E contudo Portugal, esta mesma terra, é um povo triste. (...)
Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Querem talvez viver, sim, mas para quê? Vale mais não viver.
Suicidou-se Antero de Quental, (...) suicidou-se também Soares dos Reis, o grande escultor português da estátua do Desterrado. Suicidou-se Camilo Castelo Branco, o escritor mais popular aqui, o dos terríveis sarcasmos, o que viveu e lutou sozinho, mantendo erguida contra todos a bandeira do ultra-romantismo. Suicidou-se também Mouzinho de Albuquerque, em quem muitos esperavam ver ressurgir algum dos heróis antigos da epopeia camoniana. Suicidou-se Trindade Coelho, Mário de Sá-Carneiro, Florbela Espanca, e mesmo o caso de Buíça, o regicida, não foi em rigor um suicídio? (...)
Dentro duns dias, a 1 de Dezembro, vão celebrar a restauração da sua nacionalidade, de terem sacudido a soberania dos Filipes de Espanha. No dia seguinte voltarão a falar de bancarrota e de intervenção estrangeira. Pobre Portugal". (Miguel de Unamuno)
"A verdade é que na sociedade portuguesa a noção da sua personalidade colectiva, o sentimento de vida nacional, o sentimento de pátria, se quiserem, não existe sobrepondo-se a todos os outros sentimentos de interesse individual. Existe apenas o sentimento e o espírito intolerante da seita, existe apenas o interesse da quadrilha, mascarados por um messianismo avariado, de ínfima qualidade.
Um dos aspectos mais típicos da vida portuguesa e um dos seus males mais funestos é a sua prodigiosa fertilidade messiânica. A cada passo surge um homem que se sente com envergadura e ventre de messias. Por cada messias que aborta, pululam inesgotavelmente centos de messias, toda uma falperra de messias. E enquanto a nação rola à aventura, de messianismo em messianismo, a sociedade portuguesa, lentamente, infatigavelmente, vai-se dissolvendo e desagregando. (...)
Quatro quintas partes do povo português não sabem ler nem escrever, quer dizer: sabem falar incompletissimamente. A palavra escrita é imprescindível para a vida social moderna. Actualmente ela é o instrumento usual mais importante da sociabilidade. (...)". (Manuel Laranjeira)
O espírito construtivo português dissolveu-se, desde o tempo dos reis povoadores, com a gesta gloriosa, uma obra do maior filho da puta que a nossa história alberga: o infante do chapéu grande, que destruiu a ínclita geração pelas utopias do mar, usando os tesouros dos Templários enquanto mestre da Ordem de Cristo.
Destruiu os irmãos todos, um a um: Duarte, esse melancólico, que nunca ultrapassou a cobardia de ter abandonado o irmão nas masmorras de Fez; Pedro, esse príncipe das sete partidas que trouxe do seu grand-tour pela Europa um espírito já não medieval mas renascentista, e acabou atraído e liquidado em Alfarrobeira, por uns fidalgotes parasitas; e Fernando, a quem chamaram santo para o calar.
Desde a Índia, dissolvida a alma e envenenado o povo, a pátria nunca mais se encontrou.
Talvez se comece a ver, hoje, ao longe, uma luzinha na escuridão do túnel!