" E a esse propósito é inevitável citar o flamengo Clenardo que, vindo da Europa do Norte no início do séc. XVI, não podia deixar de se espantar com o panorama peculiar que encontrou nas cidades portuguesas.
"Mal pus os pés em Évora, julguei-me transportado a uma cidade do inferno; por toda a parte topava negros. Os escravos pululam por toda a parte. Todo o serviço é feito por negros e mouros cativos. Portugal está a abarrotar com essa raça de gente. Estou em crer que em Lisboa há mais escravos e escravas do que portugueses livres de condição. (...)
"É incontestável a presença de escravos nos campos de quase todo o país, mas particularmente nos do Alentejo e do Algarve, em tarefas agrícolas ou pastoris. (...)"
" (...) As várias formas de marginalização moral do escravo somavam-se ao processo de despersonalização, que começava pela forma como era nomeado. Os que chegavam de fora recebiam no baptismo um nome cristão, sendo obrigados a abandonar o seu nome original, aquele que os unia à sua cultura ancestral. O que não tem nada de inocente; o processo que podemos chamar de desculturação é uma das componentes da despersonalização. (...)"
"Fugiu a João Cosme Dantas, morador à Cruz dos Quatro Caminhos, um escravo por nome João Rodrigues, rapaz que terá de idade 15 anos, que veio na nau da Índia e dizia que era de Macau. Foi comprado em Moçambique. É espigadote e magro, bem feito e de olhos grandes. (...)"