segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Colectânea


A música e a literatura (particularmente o texto poético) são primos carnais. Ambos são trabalhos com o som, o dos fonemas ou o dos acordes. Por realizar ficará sempre o objectivo de fazer dum texto uma partitura de Lizt.
Claro que nada disto interessa ao mercado, nem o mercado me diz nada a mim. Disso estão as livrarias cheias, com romances de 700 páginas. Convirá ao leitor saber que o papel dele agora é fundamental, depois que o autor saiu de cena. Há na colectânea textos que me comovem, na sua aparente insignificância.

O DO RABO LONGO
O abelharuco, que tem o rabo longo, passa o tempo a estudar o relvado, saltitando entre a faia e a figueira. Não são, a bem dizer, os figos que o motivam, mas os grilos. Quando algum se arrisca no carreiro mergulha em cima dele. Crucifica-o no bico, vai sentar-se num galho e come-o. Passou a manhã nisto.
Afora isso abriga-se na sombra e alarga as penas à brisa, a refrescar-se. Só volta ao chão se um grilo se aventura.
Mas mal a gralha, que tem a fala dura, espanejou as asas e desce do carvalho, logo o abelharuco desampara o relvado. Esquece grilo e tudo.