O mais certo é ter-lhe tomado medo. Mas fosse ele por ter chegado a velho, ou porque se cansou dos ruídos do mundo, o homem deitou-lhe as rédeas por cima e afastou-se. Comprou uma horta distante e fez nela uma mansarda debaixo do carvalho. Depois levantou a cerca à sombra da latada e soltou nela as galinhas. E assim viveram um tempo. O homem comia os ovos, e as galinhas catavam as minhocas e o milho que a horta dava.
A certa altura a raposa saltou a vedação. Avançou pelo terreiro, espaventou as galinhas, esganou logo a mais gorda e comeu-a. O homem assistiu àquilo tudo sentado no alpendre e não mexeu uma palha. As galinhas amontoaram-se ao canto, pasmadas pelo terror. E a raposa, aprisionada na cerca, ficou a fazer a digestão. Quando a fome lhe voltava, esgorjava outra galinha. E o homem assistia àquilo tudo sentado no alpendre.
Depois chegou a cegonha, deu duas voltas no ar e fez ninho na copa do carvalho. E em breve engordava os filhos com os sapos-conchos que havia nas redondezas, e eram muitos. Engordavam os filhos da cegonha, benza-os Deus, mas a barriga da raposa dava horas. Um dia começaram a pintar as uvas da parreira. E quanto mais ela pulava, a abocanhá-las, mais a barriga minguava.
Certa tarde passou lá por cima um corvo, trazia um queijo no bico, roubado à janela duma velha que o tinha a secar ao sol. Viu a raposa magrita, deu-lhe duas de conversa e foi-se embora. A raposa desfez-se ali em queixumes, mas o homem assistiu àquilo tudo sentado no alpendre e não mexeu uma palha.
Quando os filhos levantaram voo, foi a cegonha que ouviu os lamentos dela e deixou-se condoer. Fez umas papas do milho que a horta dava, meteu-as numa cabaça e baixou a partilhá-las com a raposa. Logo ela as estendeu em cima duma laja, onde em tempos as galinhas debicavam o milho. E foi assim que a raposa se desforrou de misérias e a cegonha ficou a ver navios.
Foi então que o homem se levantou e veio abrir a porta do cerrado. Fatigara-se do mundo, quisera afastar-se dele, viera encontrá-lo em casa. E deste modo se dispôs a relatar as muitas fábulas dele.
[Ladrar à lua, a publicar]