"(...) O entulho resultante do projecto de demolição acabou como material de construção para a graciosa avenida beira-mar, ao longo das praias do Flamengo e Botafogo. Aí os burgueses cariocas passavam as tardes passeando ao longo do paredão restaurado, que um dia abrigara os pobres da terra.
As investidas do desenvolvimento do séc. XX enterraram esta momentânea elegância sob blocos e blocos de apartamentos e escritórios de construção desordenada. Registaram-se reviravoltas, escravos lançados na miséria depois da abolição das colinas sobranceiras ao Rio. O cenário outrora aprazível de mansões e solares tão apreciada por Da. Carlota, tornou-se refúgio dos que nada tèm: os pobres expulsos do centro. aglomerados de barracas cresceram pelos morros, numa manta de retalhos de casebres e ruas lamacentas. Eram as favelas , as sentinelas do novo Rio. Cercarão progressivamente os subúrbios mais ricos, ameaçando a elite que se criou. (...)
No meio dos arranha-céus e as frágeis casas de tijolo das favelas, permaneceram vestígios desse período. (...)
Talvez a mais viva lembrança da longa estada da corte nos trópicos seja a que encontramos nas prateleiras da Biblioteca Nacional, a reencarnação moderna da Biblioteca Real embarcada em Lisboa durante as Guerras Peninsulares . (...) Ao abrir uma caixa infestada pela formiga branca, Marrocos decreveu o seu conteúdo reduzido a vastos tapetes de pó. (...) Continua a ser uma soberba colecção de livros que inclui uma raríssima Bíblia de Mogúncia em dois volumes datada de 1462, editada em Mainz. (...)
A palma mater de D. João, plantada com grande cerimonial, quando a corte ainda procurava ambientar-se em solo brasileiro, resistiu como um memorial da sua estada no Rio. Ficou de pé, mas secou e morreu.(...)".