Nunca lhe entendi a alma nem a lógica. Mas agora que o vejo de muito longe fiz as pazes com ele. E o Porto, dito invicto e fiel à tradição, nunca me deixa em pouco quando volto. Chove desde que chego até que parto.
O falanstério da garagem de autocarros onde a cidade recebe os visitantes é um salvado indescritível, da primeira revolução industrial. Os viajantes encostam-se às paredes para escapar ao pára-choques dos mastodontes. E tentam sobreviver, como os beduínos num caravançarai.
Cá fora há um crepúsculo precoce, uma hora soturna e melancólica, com silhuetas humanas improváveis a patinar em charcos, a dissolver-se na névoa. E valetas que não param de correr, e o trânsito que não anda, e os canudos das calças a pingar, e as véstias a recender a mofo antigo, e os tufos de varetas eriçadas dos guarda-chuvas chineses abandonados num canto.
O chofer do autocarro mais parece o timoneiro duma barcaça da Índia. Acelera e trava a fundo, como quem tem que passar além do Bojador. E os passageiros, que andaram pelo Indostão, agarram-se ao cavername porque já se habituaram ao porão.
O Porto é um lugar de penitência, se o não for antes de sofrimento e solidão. Só para o calar lhe chamam há muito tempo a capital do trabalho. Mas quem lhe chama assim não se mata a trabalhar.