Eram vizinhas e alentavam-se uma à outra. Aparentadas, viúvas, cada qual no seu balcão envidraçado. E lembravam duas catatuas, muito embora não houvesse coisa mais distinta.
Uma nunca teve filhos. E atravessava a rua para passar as noites na casita em frente, depois de o homem morrer. Viveram ambos uma vida nela, que só se tornou fria e despojada quando se mudaram um dia para o alpendre novo. Ficara lá dentro o afago das lembranças a aquecer-lhe as madrugadas. E ao cair da noite, fosse Inverno ou Verão, lá ia ela a atravessar a rua. Era uma fé, se não era mania, que só o alzheimer veio dissolver.
Já de filhos teve a outra uma ninhada. Mas quando se falava do marido, arredondava, lampeira: - Já lá está, Deus o conserve, tão pouca falta cá faz! Para inferno já me basta o que há-de vir!