Para salvaguarda do leitor, aplicar a grelha caseira a qualquer texto de ficção é um critério expedito mas sempre positivo: o quê, e como, e para quê (ou porquê, ou para que serve). Isto é: de que é que o texto se ocupa, de que armas formais faz uso no tratamento do assunto, e que finalidades ou funções lhe define o leitor. Um texto que não obtenha resposta positiva a estas três questões básicas não é literatura, é um equívoco. Por mais que isso parta o coração do leitor empedernido.
1 - Assunto claro e sempre pertinente, centrado em terras transmontanas: os sefarditas expulsos de Castela no séc.XV pelos Reis Católicos; a conversão forçada ou a expulsão de Portugal pelo rei Venturoso; o estabelecimento do Santo Ofício pela mão do rei Piedoso; o destacamento que sobe dos Estaus, em pé de guerra, à caça dos marranos, instalados por aqui em grande número; a tragédia sefardita e o Messias salvador, que não chegou a vir.
2 - Mistura ágil de realidade e ficção, num discurso denso, elaborado, substantivo; notável riqueza vocabular, em registo popular; distinto do Aquilino porque o homem da Lapa é muitas vezes regionalista, picaresco e arramboiado, e aqui é mais sisudo e barroco; em todo o caso prosódia de luxo, que não é para dente apressado ou impaciente; algumas concessões no que à estrita literariedade diz respeito.
3 - Edificar, inquietar, fazer pensar, o leitor definirá. Impiedoso no julgamento do Santo Ofício de Roma. Finalmente Eleazar e Florinda não trazem o Messias, porque "O nordeste não tem messias. Somos nós os salvadores".
[Apresentação no próximo dia 28, Sábado, às 16H00, na Biblioteca Municipal da Guarda]