«A verdade é que (acho eu, mesmo não sendo especialmente dado a certezas) dentro de cada um de nós, ou dentro de muitos de nós, existe um pequeno Hitler na clandestinidade. Vá lá, desdramatizemos: provavelmente nem tanto, e tão-só um pequeno demónio mau e intolerante, um ser feio e obscuro que, aos poucos, o meio, a escola, a família, mantêm amordaçado no fundo do fundo do coaração ou da víscera que lhe faça as vezes.
Aprendi isso à minha custa, que é o modo mais fiável de aprender seja o que for. Na segunda classe da Primária calharam-me em sorte duas ou três dioptrias; tanto bastou para que eu passasse a ser o "caixa-d'óculos" da turma. (...)Por essas e por outras aqui venho eu agora patrocinar um céptico anti-Rousseau: ao contrário do que pregou o pobre enciclopedista, o homem é por natureza mau, a sociedade é que o converte. O "homem natural", que é como quem diz a criança, é de facto mau como as cobras (evidentemente que isto é uma força de expressão, coitadas das cobras!). Pelo menos enquanto as educadoras de infância, os professores, a família e a sociedade em geral não levam a sua avante, as crianças são intolerantes, exclusivistas, mentirosas, maldosas. É o "caixa d'óculos" que vo-lo assegura! (...)» [27//11/1991]