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Ano após
ano, durante os nove meses de migração, os maçaricões eram como peões num
gigantesco tabuleiro de xadrez. As suas rotas eram definidas por jogos
cósmicos, pelas forças da natureza e da geografia, pelos ventos, pelas marés e
pelo estado do tempo. Os ventos determinavam em que direcção as aves deviam
voar. O tempo e as chuvas decidiam se havia mais ou menos alimento, definindo
desse modo o objectivo do voo. Na partida de xadrez intervinha agora um outro
jogador, uma corrente marítima.
A
corrente de Humboldt vem do Antárctico, corre ao longo da costa Oeste da
América do Sul, em direcção ao Norte, e transporta águas frias quase até ao
equador. Os ventos que varrem todas as tardes a costa do Peru são secos, pois a
água fria da corrente de Humboldt quase não sofre evaporação. Assim, a estreita
faixa de costa entre os Andes e o Pacífico é árida, com planaltos arenosos
quase desertos e pouca precipitação. Há muito poucos rios que corram para o
Pacífico e formem estuários pantanosos, onde as marés depositem alimento. Por
isso neste local os maçaricões pouco encontram que comer. Depois da travessia
dos Andes estão magros e esgotados, mas a região não convida a demoras. E assim
continuaram a voar.
Seguiram
as estreitas praias do Peru na direcção do Norte. Voavam, noite após noite, até
à madrugada, e aproveitavam cada hora do dia para se alimentarem. Tarefa
difícil esta, pois estavam sempre esgotados e nunca completamente fartos. Para
os jogos amorosos não restavam tempo nem energias, já que estes mal chegavam
para descansar.
Em menos
de uma semana tinham percorrido 3200 quilómetros, atingindo a planície arenosa
de Punta Pariña, perto do equador. A partir daqui, ao longo de 1600
quilómetros, a costa sul-americana segue na direcção Nordeste, até ao istmo do
Panamá.
Aproximava-se
o mês de Março. Lá em cima, no Norte, começava a Primavera no vale do
Mississipi, tornando verdes os choupos e as pradarias. Os maçaricões
encontravam-se ainda a Sul do equador, a tundra estava a quase dez mil
quilómetros de distância. Mas ela chamava-os já tão fortemente, que os seus
músculos cansados e doridos não eram rápidos bastante.
Até
às exuberantes terras altas da Guatemala, a costa descrevia um grande arco,
primeiro a correr para Leste, depois para Norte e finalmente para Oeste. A
etapa era de quatro mil quilómetros. Em linha recta a distância era cerca de
metade, mas passava sobre o Pacífico. Quando a noite que caía arrefeceu a areia
quente, o maçaricão ainda tinha fome, o papo não estava cheio. Mas levantou
voo, no crepúsculo tropical, e a fêmea logo o seguiu. Tomaram a direcção do Norte,
abandonaram a plana faixa costeira e rumaram para o mar alto. Deviam atingir a
América Central vinte e quatro horas depois.
Voavam
silenciosos, para não desperdiçarem energias. Esta travessia do oceano demorava
apenas metade da esgotante viagem sobre o Atlântico. Mas no Outono, graças aos
arandos do Lavrador, as aves partiam gordas e bem alimentadas. Agora iniciavam
o trajecto sobre o Pacífico já esgotadas e emagrecidas. Duas horas mais tarde
teriam os papos vazios.
Quatro
horas depois tinham ultrapassado a zona dos alísios de Sueste, e alcançaram as
calmarias equatoriais. Mas o mar por baixo deles estava tudo menos calmo.
Baloiçava fortemente em pequenas rebentações que provocavam carneiros de
espuma, um verdadeiro campo de batalha. Aqui encontram-se a corrente fria de
Humboldt e a corrente quente do Equador, e ambas lutam pelo domínio do mar.
Embora só com a luz do luar, as aves podiam observar como a cor do oceano mudara
subitamente. O verde glacial da corrente de Humboldt cedeu lugar ao azul
profundo das águas tropicais. E a atmosfera aqueceu.
A
lua desapareceu e começou a amanhecer. Pouco depois do romper do dia atingiram
a zona dos alísios de Nordeste, e estes ventos de lado aligeiraram o voo. Mas o
dia estava quente. O ar húmido e abafado anulava o efeito agradável do vento.