(...)
Pela manhã o vento amainou. O macho sabia que tinham de
continuar a voar, não podiam ficar ali mais tempo. Quando as nuvens carregadas
de neve se dissolveram e o sol atravessou a névoa com uma luz amarelada,
levantaram voo e avançaram para o manto que ocultava os cumes. Um minuto depois
encontravam-se num mundo fantástico de neblina branca, cuja humidade lhes
pesava nas penas. Subiam penosamente, em círculos. Tinham de ganhar altitude,
mas o ar era agora tão rarefeito que pareciam mover-se no vazio. Mesmo com os
pulmões cheios, respiravam com dificuldade.
A camada
de nuvens era muito instável e cheia de turbulência. Ocasionalmente encontravam
camadas de ar mais denso, que as asas cortavam melhor, e ganhavam altitude
rapidamente. Mas logo o ar se rarefazia, e, por momentos, mal se podiam manter.
Uma vez clareou por cima deles, e o maçaricão sabia que estavam perto de
atingir o céu claro. Mas, antes de conseguirem furar as nuvens, uma rajada
descendente arrastou-os consigo. Caíram desamparados, e perderam em poucos
segundos a altitude que lhes levara muito tempo a ganhar.
Finalmente
deixaram para trás as camadas agitadas de nuvens e voaram num céu claro e
tranquilo. Era um estranho mundo encantado, de um frio penetrante e uma luz que
cegava, e que parecia desligado de tudo o que havia na terra. A camada de
nuvens estendia-se por todo o horizonte, uma planície branca, ondulada e
vastíssima. Quase parecia sólida bastante para poisarem. O sol reflectia nela o
seu brilho intenso. Mil e quinhentos metros adiante deles, um pico nevado
rompia as nuvens. O seu cume era um penhasco nu e inteiriçado. Ao longe havia
outros cumes, como ilhas, num vasto mar de brancura.
Os
maçaricões voaram rente à camada de nuvens, ao encontro do pico. Avançavam
lenta e penosamente. Voavam de bico aberto, ofegantes no ar rarefeito, e os
corpos doíam-lhes. Ao
aproximarem-se do cume o vento refrescou de novo. Farrapos de neve
turbilhonavam pela encosta. Evitaram-nos e poisaram, para descansar numa aresta
do penhasco, donde o vento varrera a neve. E de novo tinham que padecer. O ar
seco e rarefeito tinha-lhes perturbado fortemente o equilíbrio dos líquidos. As
gargantas ardiam-lhes de sede.
Menos de
cem quilómetros adiante floriam exuberantes orquídeas e cactos do verão tardio
sul-americano. Mas aqui, no tecto das duas Américas, seis mil metros acima do
nível do mar, reinava um inverno sem fim. Mesmo por baixo deles encontrava-se
um mundo incerto e assustador. Massas brancas misturavam-se umas nas outras,
mal se distinguia onde terminavam os montes nevados e começavam as nuvens.
Nenhuma criatura podia manter-se aqui por muito tempo. E apesar disso
encontravam-se traços de vida, uma vez que grande parte da falésia era
constituída por esqueletos fossilizados de animais marinhos, que tinham vivido
há milhões de anos, quando os continentes ainda não existiam, e o cume da
montanha era apenas lodo no fundo dos oceanos.
As dores
abrandaram e os maçaricões continuaram para Oeste, sobre a neve que o vento
moldara, acima da camada de nuvens. E longo tempo continuaram em frente,
evitando o manto branco, pelo menos quando não sabiam exactamente o que havia
lá por baixo. Atrás deles desapareceu o pico, num véu de neve e neblina. E então
abriu-se o tapete de nuvens. A camada contínua e plana deu lugar a fundas
depressões de causar vertigens, e a elevadas colunas brancas. Vieram ainda
poços maiores, e num deles caíam a pique as paredes sem fundo. Através dele
avistaram um planalto arenoso, parecido com um deserto, com manchas verdes e acastanhadas,
de cactos e cascalho. Estava quatro ou cinco mil metros abaixo deles, pois a Oeste
caíam os Andes abruptamente para o Pacífico.
(Cont.)