(Cont.)
Voaram hora após hora com velocidade estável, mantendo
constante o ritmo esgotante de três a quatro batidas por segundo. O cintilar do
sol sobre a água foi enfraquecendo, e desapareceu completamente ao atingir o
zénite. O mar tornou-se mais azul. Então o sol descaiu para Oeste e a
cintilação voltou. Oitocentos metros abaixo deles brilhavam as cristas das
ondas, e o ar aqueceu ainda mais. Desde que a costa da América do Sul
desaparecera na escuridão da última noite, nada alterara a monotonia e a
desolação do mar, a não ser, aqui e ali, um albatroz, que planava com as suas
asas poderosas e imóveis. Os maçaricões voavam infalivelmente para Norte, sem
se desviarem do rumo. Os seus cérebros estavam mais bem compensados, em relação
às forças de orientação da terra, do que a bússola mais sensível.
O macho,
que seguia na frente e tinha que vencer maior resistência do que a fêmea,
sofria de particular cansaço. As tormentosas pontadas que lhe arrepanhavam os
músculos do peito transformaram-se numa dor surda e constante. O coração batia
fortemente. E poderia descansar um pouco, cedendo o comando à fêmea. Mas o
facto de ela se manter atrás dele, e beneficiar da força com que ele atacava o
ar, o facto de o voo dela depender do seu, comovia-o como um sentimento quente
e sublime, obrigando-o a aguentar. Inabalável, manteve o comando.
O sol
caiu para Oeste. E ele estava de tal modo enfraquecido que nem a mais tenaz
força de vontade lhe permitia já bater as asas, tão depressa como até aqui. Mas
manteve-se à frente. As batidas abrandaram, a velocidade diminuiu, e a fêmea
notou-o. E foi então, depois de vinte e quatro horas de silêncio, que ela
começou a enviar-lhe suaves gorjeios de ternura. Isso deu-lhe mais força do que
o alimento ou o descanso. E ela repetiu o gesto muitas vezes. O sol estava ainda
acima do horizonte, o mar doirado resplandecia como pedra preciosa, e as asas
dele transportavam-nos, incansáveis.
Estava o
sol a pôr-se quando algo azul-escuro, fino e vaporoso, apareceu no horizonte.
Durante alguns minutos pareceu-lhes uma nuvem. Depois ganhou consistência,
tornou-se uma faixa de costa, e finalmente surgiram lá atrás os contornos serreados
das montanhas da Guatemala e das Honduras. Os cumes vulcânicos longínquos
sobressaíam claramente. A mancha azul, junto ao mar, tornou-se verde, e onde
ela terminava apareceu a faixa branca da rebentação. Quando os maçaricões
atingiram a praia orlada de palmeiras, dispunham ainda de meia hora de
claridade e começaram logo a comer. Ao chegar a escuridão, já a tortura da fome
e do esgotamento diminuía.
Toda a
manhã seguinte trataram de se alimentar. Mas não havia muita comida, pois a
praia era estreita e fora varrida pela rebentação. Ao meio dia prosseguiram o
voo, apesar do enorme calor. Agora dirigiam-se terra adentro, pois era Verão na
América Central, e as altas pradarias fervilhavam de gafanhotos. Voavam sobre a
zona costeira, que subia lentamente até às montanhas. O solo vulcânico, escuro
e fértil, produzia frutos exuberantes, como cocos, bananas e cana sacarina. Uma
hora depois estavam a 1500 metros acima do nível do mar, e chegaram a uma zona
mais temperada, com ar frio e seco. Continuaram a subir, avançaram para as
montanhas e alcançaram um estreito vale que conduzia a um planalto elevado.
(Cont.)