sábado, 19 de abril de 2014

O último maçaricão-esquimó 31

(Cont.)
         Voaram hora após hora com velocidade estável, mantendo constante o ritmo esgotante de três a quatro batidas por segundo. O cintilar do sol sobre a água foi enfraquecendo, e desapareceu completamente ao atingir o zénite. O mar tornou-se mais azul. Então o sol descaiu para Oeste e a cintilação voltou. Oitocentos metros abaixo deles brilhavam as cristas das ondas, e o ar aqueceu ainda mais. Desde que a costa da América do Sul desaparecera na escuridão da última noite, nada alterara a monotonia e a desolação do mar, a não ser, aqui e ali, um albatroz, que planava com as suas asas poderosas e imóveis. Os maçaricões voavam infalivelmente para Norte, sem se desviarem do rumo. Os seus cérebros estavam mais bem compensados, em relação às forças de orientação da terra, do que a bússola mais sensível.
            O macho, que seguia na frente e tinha que vencer maior resistência do que a fêmea, sofria de particular cansaço. As tormentosas pontadas que lhe arrepanhavam os músculos do peito transformaram-se numa dor surda e constante. O coração batia fortemente. E poderia descansar um pouco, cedendo o comando à fêmea. Mas o facto de ela se manter atrás dele, e beneficiar da força com que ele atacava o ar, o facto de o voo dela depender do seu, comovia-o como um sentimento quente e sublime, obrigando-o a aguentar. Inabalável, manteve o comando.
            O sol caiu para Oeste. E ele estava de tal modo enfraquecido que nem a mais tenaz força de vontade lhe permitia já bater as asas, tão depressa como até aqui. Mas manteve-se à frente. As batidas abrandaram, a velocidade diminuiu, e a fêmea notou-o. E foi então, depois de vinte e quatro horas de silêncio, que ela começou a enviar-lhe suaves gorjeios de ternura. Isso deu-lhe mais força do que o alimento ou o descanso. E ela repetiu o gesto muitas vezes. O sol estava ainda acima do horizonte, o mar doirado resplandecia como pedra preciosa, e as asas dele transportavam-nos, incansáveis.
            Estava o sol a pôr-se quando algo azul-escuro, fino e vaporoso, apareceu no horizonte. Durante alguns minutos pareceu-lhes uma nuvem. Depois ganhou consistência, tornou-se uma faixa de costa, e finalmente surgiram lá atrás os contornos serreados das montanhas da Guatemala e das Honduras. Os cumes vulcânicos longínquos sobressaíam claramente. A mancha azul, junto ao mar, tornou-se verde, e onde ela terminava apareceu a faixa branca da rebentação. Quando os maçaricões atingiram a praia orlada de palmeiras, dispunham ainda de meia hora de claridade e começaram logo a comer. Ao chegar a escuridão, já a tortura da fome e do esgotamento diminuía.
            Toda a manhã seguinte trataram de se alimentar. Mas não havia muita comida, pois a praia era estreita e fora varrida pela rebentação. Ao meio dia prosseguiram o voo, apesar do enorme calor. Agora dirigiam-se terra adentro, pois era Verão na América Central, e as altas pradarias fervilhavam de gafanhotos. Voavam sobre a zona costeira, que subia lentamente até às montanhas. O solo vulcânico, escuro e fértil, produzia frutos exuberantes, como cocos, bananas e cana sacarina. Uma hora depois estavam a 1500 metros acima do nível do mar, e chegaram a uma zona mais temperada, com ar frio e seco. Continuaram a subir, avançaram para as montanhas e alcançaram um estreito vale que conduzia a um planalto elevado.
(Cont.)