quarta-feira, 2 de abril de 2014

O último maçaricão-esquimó 26

(Cont.)
         Agora cada um procurava alimento para si próprio, sem prestarem atenção um ao outro, embora se mantivessem próximos. E, mais que nunca dantes, o macho sentia-se atraído pelo montão de pedras, junto à curva do rio, na tundra distante.
            Levantou voo quando chegou o crepúsculo, circulou sobre a fêmea e chamou-a. Ela lançou-se para o ar e voaram juntos para o interior, sobre as elevações que bordejavam a costa. Depois do escurecer poisaram numa encosta atapetada de ervas e dormiram um junto do outro, os pescoços quase se tocando. O macho sentia-se renascer, uma outra vida tinha começado.
            Ao romper do dia regressaram à praia. Depois foram voando rapidamente para Norte, cerca de quinze quilómetros em cada etapa. De vez em quando faziam pausas para comer, mas a tundra chamava, cada vez mais urgente. Cada dia que passava voavam mais longe e comiam menos do que na véspera. No princípio de Fevereiro estavam já a 1600 quilómetros do ponto de partida. E como sempre, na viagem para Norte, paravam nos charcos à beira-mar. Era primavera, e as gónadas produziam cada vez mais hormonas sexuais, que lentamente faziam crescer a sua excitação. Muitas vezes o macho interrompia bruscamente a busca de alimento, e pavoneava-se em frente da fêmea como um galo de combate, com a plumagem do pescoço tufada e as penas da cauda emplumadas em leque sobre o dorso. Então a fêmea inclinava-se, de asas frementes, e pedia comida como se fosse um pintainho. O macho oferecia-lhe um petisco, os seus bicos tocavam-se, e com isso terminava o jogo nupcial.
            Uma noite, quando um forte vento de Oeste soprava sobre os montes junto à costa, voaram terra adentro, como habitualmente. Mas desta vez o macho subiu mais alto do que era costume. Seguiu Pampas adiante, e, quando a escuridão caiu, continuaram a voar. As etapas diárias que tinham percorrido eram curtas, e já não satisfaziam o impulso migratório cada vez mais urgente. Deixaram a costa para trás e voaram para Noroeste, na direcção dos Andes. O macho sentiu diminuir a tensão, ao reconhecer, com a primeira noite, que a migração tinha de facto começado.
            Voaram durante seis horas, as asas fatigaram-se. E quando poisaram para descansar era ainda muito escuro. Agora deslocavam-se pouco durante o dia. Mas, logo que o sol se punha, o maçaricão conduzia a fêmea para as alturas do céu e encaminhava-se sempre para Noroeste. A cada noite as asas ganhavam força, e, uma semana depois, voaram sem parar, do pôr-do-sol até à madrugada.
            E assim continuaram, o macho sempre à frente e a fêmea um pouco atrás, arrastada pelo turbilhão numa das pontas da asa. Na escuridão falavam continuamente, enviavam-se pequenos sinais, um pouco mais fortes do que o rumor do vento cortado pelo voo. E o macho foi esquecendo lentamente a sua antiga solidão de sempre. Encontravam muitas tarambolas. Mas os dois bastavam-se a si próprios, e a sua relação preenchia-os tão completamente que nunca se juntaram a qualquer bando. A maior parte das vezes voavam sozinhos.
(Cont.)