«Na Europa, o mundo urbano em ascensão, o contacto/confronto com outras civilizações e a revolução das mentalidades, operada por uma pequena minoria de alfabetos e letrados, que traduziam e liam os textos da Antiguidade grega e latina, proporcionavam, na cristandade ocidental, o renascimento da vida colectiva, das artes e da cultura.
O italiano Pico de la Mirandola colocava o homem no centro do Universo. (...) O português João de Barros em 1532 escrevia: Só os homens foram dotados de livre arbítrio, "sem haver entre eles alguma diferença de uns precederem os outros".
A pintura desnudava o corpo, inseria-o na natureza e no espaço doméstico. A Vénus de Botticelli elevava-se sobre a água, despida e inocente. Miguel Ângelo "criava" Deus, o mundo e o homem, numa abóbada de corpos nus. (...) A arquitectura desenvolvia, a partir das técnicas romanas, uma nova distribuição das superfícies. (...)
Maquiavel estudava a realidade política e social na sua verdade imediata, sem recorrer à Providência nem à moral. (...) Erasmo dava curso às críticas que, de todo o lado, caíam sobre a Igreja, pelos escândalos dos cardeais e dos papas. Em 1527, quando as tropas de Carlos V saquearam Roma, mataram bispos e prenderam o papa e os cardeais. (...)
Portugal, a Espanha e a Itália estarão no centro da Contra-Reforma. Teólogos portugueses participaram activamente na reformulação da doutrina saída do Concílio de Trento. A Inquisição, que se distinguira em Espanha no final do séc. XV, pela ferocidade, entrava em Portugal e na Itália. A chamada "heresia judaica" e o pensamento criador serão as vítimas maiores da inquisição portuguesa.
Com a chegada do ouro e da prata dos outros continentes, os alimentos e as mercadorias subiram de preço. A carestia e a inflação aumentavam o número de pobres. Era necessária uma sociedade mais justa, escrevia o inglês Tomás Moro.(...)
Em 1520 Tomás Munzer pregava a necessidade de uma nova ordem social e uma religião sem padres. Em 1524 as revoltas de camponeses rebentaram por toda a Alemanha. (...)
Os hispânicos tinham descoberto a América, aberto o caminho marítimo para a Ásia e provado que a Terra era redonda. O comércio ligava agora por mar os vários continentes, multiplicava o volume e a qualidade das mercadorias. Crescia o fabrico e o comércio das armas, principalmente das armas de fogo. Leonardo inventava máquinas que só encontrariam forma na época contemporânea. (...)
As cidades italianas estavam na vanguarda da tecnologia e das artes. Atraíram a cobiça da França e de Espanha. O imperador Cralos V alimentou o sonho de se tornar imperador católico universal. (...) Em 1527 os seus exércitos saqueavam Roma. (...) Em 1556, o imperador católico, travado pelos exércitos luteranos e pelos de França, abdicava e dividia os seus estados: a Alemanha ficava para o seu irmão Fernando de Habsburgo, e a Espanha, a Flandres, a Itália e o império espanhol para o seu filho Filipe II.
O comércio regional e intercontinental utilizava cada vez mais a letra de câmbio, o crédito e os seguros, mas os teólogos domínicos da escola de Salamanca consideravam que, se a arte mercatória se dirigisse ao lucro, era desonesta por si mesma. Na segunda metade do século, a pequena Holanda, que punha em ciência a navegação, o crédito e a guerra, resistia à feroz repressão de Filipe II e projectava-se como grande potência marítima. (...)
Portugal, com pouco mais de um milhão de habitantes, espalhava-se por três continentes: a África, a América e sobretudo a Ásia. Desviava em boa parte a pimenta da rota do Levante para a rota do Cabo. (...) A rota do Cabo ligou os três oceanos e transportava riquezas de todo o mundo. A sua abertura ficou assinalada, a par e passo, por assaltos a tiro e a espada, pelos corpos dos náufragos, pelo sacrifício dos marinheiros, livres e escravos, pelo comércio, a conquista, a pirataria e o sangue.»
(António Borges Coelho, História de Portugal, Vol.IV)