(Cont.)
A rota do Norte diferia da rota do Sul, e ambos deixaram para
trás as Pampas e a zona dos ventos de Oeste. Agora tinham por diante as regiões
florestais do norte da Argentina, onde não era fácil encontrar comida.
Oitocentos quilómetros a Oeste ficava o Pacífico e as suas praias, mas pelo
meio erguia-se a cadeia dos Andes. Chegaram à zona dos alísios de Sueste. Para
terem vento de lado, teriam que voar para Nordeste ou para Oeste. Podiam
escolher entre as selvas infindáveis do Brasil, onde quase não havia alimento
nem lugar onde poisar, em 2500 quilómetros. Ou então as alturas dos Andes, com
a sua atmosfera instável e rarefeita. Instintivamente o maçaricão rumou a Oeste.
Durante
uma noite inteira voaram sobre contrafortes montanhosos cada vez mais altos.
Hora após hora foram subindo, até as asas vibrarem de cansaço. De manhã
poisaram num planalto coberto de ervagem densa. A terra ondeava sem fim diante
deles, ondeava subindo, até onde a vista alcançava. O horizonte parecia uma
folha de serra. Nuvens brancas e cumes nevados fundiam-se uns nos outros.
Logo que
o sol mergulhou atrás dos Andes, os maçaricões reiniciaram o voo. Avançavam
lenta e penosamente, uma vez que tinham de ir subindo sempre. O ar tornara-se rarefeito,
oferecia às asas menor sustentação e menos oxigénio aos pulmões
sobrecarregados. Eles eram aves de planície, e não possuíam os enormes pulmões dos
lamas e seus pastores índios, que possibilitam a vida a cinco mil metros de
altitude. Em breve ficaram cansados. Algumas horas antes do amanhecer poisaram,
esgotados, na saliência duma falésia. Uma escassa camada de líquenes e musgos
tinha-se agarrado à rocha. Descansaram ali o resto da noite, encostados um ao
outro, defendendo-se das rajadas do vento cortante.
Caiu a
luz da manhã sobre um mundo áspero e desolado. Falésias cinzentas e pedaços de
nuvens em movimento, que pareciam asas brancas de um vento eterno. E ainda não
tinham atingido o ponto mais elevado. Os cumes que agora tinham de ultrapassar
estavam escondidos atrás de massas de nuvens agitadas. Em nenhum outro lugar do
mundo, salvo nos Himalaias, se encontram altitudes tão elevadas.
Mas
mesmo aqui viviam insectos, e os maçaricões puseram-se à procura de alimento.
Era uma operação lenta e difícil, não por haver pouco alimento, mas porque cada
movimento era extenuante, exigindo muito oxigénio. À noite o ar arrefeceu
rapidamente. Começou a nevar e eles não retomaram o voo. As turbulências
atmosféricas e as enormes barreiras de falésias e glaciares só podiam ser
ultrapassadas com a luz do dia.
Nessa
noite não puderam dormir, e quase não descansaram. O vento rugia estridente
contra a parede da falésia e empurrava os duros flocos de neve. Por momentos,
mal se conseguiram resguardar. Então uma poderosa rajada retirou-lhes o chão
debaixo dos pés e arremessou-os na escuridão, no medonho vazio do espaço. O
macho lutou, defendeu-se, retomou o controlo das asas e poisou. Mas a fêmea
tinha desaparecido.
Desesperado,
tentou gritar mais alto que o rugido da tempestade. O vento não trouxe qualquer
resposta, para além dos seus próprios gritos. Quando este amainou o maçaricão
levantou voo, descreveu pequenos círculos a baixa altitude, gritou, e procurou,
e gritou em vão. O vento cresceu de novo e ele não pôde manter-se em voo.
Agarrou-se aos musgos da falésia e esperou, sem respiração. A tempestade
amainou por um momento e ele voltou a levantar voo, mas a sua resistência
acabou rapidamente. Não podia continuar. Então encontrou um buraco na falésia
que o defendeu da tempestade. Encolheu-se lá dentro, arfando, de bico aberto. O
corpo precisava de oxigénio. E quando retomou forças voou de novo pela noite
escura e bravia, descreveu círculos e gritou pela fêmea. Torturava-o a antiga
solidão.
Encontrou-a
uma hora depois. Tinha-se escondido da tempestade por baixo duma saliência de
xisto, na falésia, e estava tão perturbada e exausta como ele. Encostaram-se um
ao outro, e o calor dos seus corpos derreteu um pequeno círculo de neve granulosa. (Cont.)