Mas não mentem, quando lhes calha acordarem. É o que se mostra na pág.1 da revista LER nº 130, que se transcreve.
Conversa no Tiergarten
É verdade, somos do Sul.
Teve razão em reparar em nós.
Somos aqueles que passaram de pedreiros e mulheres-a-dias,
que cumpriam as suas tarefas com modéstia e simplicidade,
a devedores alegres e inconscientes,
que vivem à custa dos sacrifícios dos operários da Renânia-Palatinado.
Somos nós mesmos, gnädige Frau.
Sim, eu li como viveram os seus pais
nesse ano em que perderam a guerra:
nas caves encharcadas de prédios em ruínas,
com esmolas avulsas dos soldados da Ocupação.
Mas reparou
como depois foram tratados pelos vencedores?
Sim, você disse-me também
que desde a adolescência não compreende
que tenha de pagar pelas culpas dos seus pais
e dos criminosos que governaram o seu povo,
antes mesmo de você ter nascido.
Mas se para a vossa língua dívida e culpa
são a mesma palavra,
então seremos nós agora a pagar
até aos netos dos nossos netos,
já que as vossas dívidas estão saldadas?
É isso, gnädige Frau?
(Luís Filipe Castro Mendes, inédito, a publicar em A Misericórdia dos Mercados, programada para Fevereiro de 2014)