quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Ecos da Sonora - LX



[Festa de Natal nazi em 1941, antes do inverno russo - rapinado a JJRoseira]
1 - Kiev anda aí nas notícias, pelas razões conhecidas. E um dia destes pediu-me a Sonora a gravação dum texto de A. Kuznetsov - Babi Yar. Eu nunca soube onde era Babi Yar. Mas o nome trouxe-me à lembrança um poema antigo de Y. Yievtushenko. Fui revê-lo.

(...)
A erva brava rumoreja em Babi Yar.
As árvores mostram-se ameaçadoras
Como juízes.
Aqui tudo grita em silêncio
E, descobrindo a cabeça,
Sinto que, aos poucos, 
Fico grisalho.
E eu próprio
Sou um grito maciço, silente
Acima dos muitos milhares aqui enterrados.
Sou
      cada velho
                  aqui fuzilado.
Sou
      cada criança
                  aqui fuzilada.
Nada em mim
      Jamais esquecerá!
(...)   
Babi Yar era afinal uma ravina, nas cercanias de Kiev, onde os nazis começaram por enterrar judeus e prisioneiros fuzilados, em gigantescas valas comuns. Durante os dois anos de ocupação, acabou por transformar-se num campo de concentração, até à chegada do exército soviético, que só parou em Berlim.

2 - «Os meios de comunicação de Kiev (linhas telefónicas e cabos telegráficos) foram maldosamente danificados. Como não se pode continuar a tolerar os sabotadores, foram fuzilados 400 homens na cidade, o que deverá constituir um aviso para a população. Uma vez mais, exijo que quaisquer actos suspeitos sejam participados às tropas ou à polícia alemã para que os criminosos sofram o castigo que merecem.
                              Kiev, 29 de Novembro de 1941
                     Eberhard, major-general e comandante da cidade»

3 - «Para Kiev, e para toda a Ucrânia, 1942 foi o ano da deportação para a escravatura. (...)
"Estou agora nos arrabaldes de Trier, a cerca de cem quilómetros da França, e vivo na quinta do meu patrão. (...) A quinta possui dezassete cabeças de gado e eu tenho de limpar os estábulos duas vezes por dia. (...) Depois tenho de arrumar os quartos, que são dezasseis, e fazer toda a lida da casa. Durante o dia inteiro não me sento. (...) A minha senhora é má. Não tem coração de mulher, apenas uma pedra. Não faz nada e berra como uma doida, com a saliva a correr-lhe da boca. (...)
Acalentávamos a esperança de que alguém nos comprasse depressa. As raparigas russas são muito baratas na Alemanha. Por cinco marcos escolhe-se à vontade. (...) Tratam-nos como se fôssemos animais. Não creio que alguma vez regresse a casa." (...) Carta escrita por uma rapariga de Kiev, encontrada em depósito alemão

4 - Gabi mostrava-me em Berlim o muro e os monumentos, o Sans-Soussi e o local da Conferência de Potsdam, os tanques T 34 expostos pelos parques, as campas floridas de soldados soviéticos perdidas pelos bosques. E falava-me do pai que vivia na Sérvia, e um dia no futuro havia der visitar.
Bogdan teria dezasseis anos em 1942, quando um dia foi apanhado por uma patrulha alemã nas cercanias de Belgrado. E acabou numa quinta de Eichsfeld, deportado como escravo, porque os arianos todos não eram bastantes para tanta guerra. A quinta pertencia à avó de Gabi, que administrava tudo. E durante três anos Bogdan fez nela o que podia fazer.
Quando a guerra terminou, Bogdan foi recambiado para Belgrado. Mas deixou no ventre da filha da patroa o fruto de amores mútuos e uma prenda lá do Sul. Era a Gabi em pessoa.

5 - O horror, organizado metodicamente, esmaga muito mais que o maior caos. Porque no caos há restos de humanidade, e no horror metódico só selvajaria.