Era uma silhueta
vestida de preto, debaixo dum chapéu de palha de aba larga, a resguardar-se do
sol. Aparecia ao pé do poço, acarinhava as sécias, e lembrava à minha mãe um
pingo de água aos manjericos.
- Ué! Ué! Tens aqui um
morgado!
Eu estranhava-lhe o
rouquejar raspado, os modos brandos, as manchas escuras nas costas da mão. O
nome exótico punha-me a sorrir. E conheci-a melhor muito mais tarde, muitos
anos depois dela morrer.
Casou-se com o Cipriano
e logo foi para o Brasil. Viveu por lá, em Santos, muito tempo, vendia frutas
estranhas num mercado. E um dia que regressou era diferente. Recusava as
novenas na capela, e recitava um remoto padre-nosso, falando não sei com quem.
Grande foco vivo do universo, venha a nós a vossa luz, e cumpram-se as vossas
leis, neste e nos outros planetas. Nem a Nossa Senhora a percebia.
Quando o Cipriano lhe
morreu não deitou uma lágrima. Vestiu-lhe o fato melhor, fez-lhe uma festa na
cara e despediu-o:
- Adeus, meu
perfeitoso! Os anjos vieram a buscar-te, vai com eles!
Nem a Nossa Senhora a
percebia. E por pura caçoada chamavam-lhe a Bonitona. Por ser feia.