A propósito da publicação dum novo romance em que a longínqua Islândia tem lugar central, a LER Nº 128 dedica a Valter Hugo Mãe uma dúzia de páginas. Nada menos. (Não sei a que propósito me lembrei agora do Peixoto, que também foi fazer obra à Coreia do Norte, e do Tordo que andará a fazê-la numa residência de escrita de romances em Xangai. Todos três são ramalhetes dum tronco comum: o dos Prémios Saramago, descobertos pela Maria do Rosário Pedreira, uma editora ao serviço da Leya, queixosa já das mistelas que há muito impinge aos leitores. Mas adiante!)
Ando de olho no Valter Hugo Mãe desde o Baltasar Serapião. O tal prémio Saramago de 2006, que a senilidade do patrono terá levado a qualificar de tsunami literário. A mesma senilidade que fez saber ao Tavares (outro prémio Saramago) que já tem à espera o prémio Nobel. E ando de olho no Valter Hugo Mãe para saber quando é que ele se liberta da sintaxe de quimbo que trouxe da Lunda, daquela semântica ortorrômbica de quem inventou a pólvora das palavras, e do discurso canhestro de quem anda à procura duma estética literária e de voz própria. É necessidade urgente.
Acompanhei o Apocalipse dos Trabalhadores e a Máquina de Fazer Espanhóis sem ter notado progressos. E fiquei sobressaltado com as cenas de Paraty, onde o Mãe pôs a chorar meio Brasil, e se fartou de receber currículos de candidatas a oferecerem-lhe um filho, num espectáculo que o António Guerreiro viria a imputar às perversões do marketing das editoras, a que chamou a máquina de triturar escritores. Guardava ele as esperanças de que a qualidade do romance viesse a resgatar o seu autor. Mas por desgraça tal não aconteceu.
Cheguei assim ao Filho de Mil Homens, que rapidamente dei ao pó da estante e esqueci. Mas agora vou recuperá-lo, a propósito da entrevista da LER. Pois quem há-de resistir a isto:
«Esta escrita implicou muito trabalho?
Tenho a sorte de ter uma espontaneidade incrível, que me deslumbra a cada passo. Sinto que os livros são milhões de vezes mais inteligentes do que eu. Eu não consigo no meu quotidiano fazer uso duma ínfima parte da inteligência que os meus livros têm.
Como é que isso acontece?
Há uma qualquer intuição que me oferece os livros. Entrego-me à intuição ou deixo que ela me domine e me angustie e me estrague a vida. Mas sou recompensado com o descobrir alguma coisa. Não sei se isto é válido para todos os escritores e tudo quanto se escreveu no mundo, mas sei que escrevo pelo desconhecido, em direcção ao que preciso de descobrir. (...) Sou atropelado pelo acontecimento do livro. (...)»
Ainda não desisti da minha espera, mas a entrevista não me alimenta esperanças realistas. Já da Desumanização, que veio da Islândia e por aí anda... Deus te livre ó Marques! A facilidade com que os simples se deixam enfeitiçar pelo próprio umbigo, pelo canto de sereias mercenárias e por trejeitos de puta, é sempre surpreendente.
Balha-nos Deus, que é quem pode, a nós e à literatura! Que há-de saber resistir.