Caçados como gamos em Castela, os seus donos procuraram refúgio em Portugal. Penamacor, Belmonte, Guarda, Trancoso, Moncorvo, Castelo de Vide e outras terras fronteiriças tiveram judiarias importantes. O que estas imagens lembram é que os judeus chegaram às aldeias mais recônditas e viveram nelas.
Desde cedo forçados à conversão, os que puderam fugiram, quando o país mais precisava deles. Foram praticar lá fora aquilo que os portugueses nunca souberam fazer: organizar o comércio das veniagas da Índia.
Os que fugir não puderam ficaram por cá. E picotaram à porta cruzes e sinais, que atestavam a nova condição religiosa e os preservavam da segregação. Eram os novos cristãos. Mas demos a palavra a António Borges Coelho.
[pedra deslocada e invertida]
«(...) Os portugueses da época são todos cristãos católicos, apostólicos, romanos. (...) O Édito pregado nas igrejas ordenava que viessem denunciar as crenças e práticas judaicas, a "seita" de Maomé com o seu Alcorão e a seita de Lutero ou Calvino, ou de outro heresiarca antigo ou moderno. (...)
A conversão forçada dos judeus levara à distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos. A resistência à integração provinha dos dois lados. A Inquisição aprofundará o fosso mediante as perseguições, a obrigação de denunciar e a espionagem duma rede de informadores, os familiares, e a exercida pelos quadros e órgãos da Igreja, sem esquecer os confessores, atentos a qualquer diferença manifestada sobre a verdade obrigatória. A pressão social no sentido da denúncia do diferente era diabólica. (...)
A principal comunidade portadora de outra fé era a dos antigos judeus. Com a conversão forçada, tomaram, por fora, os sinais dos cristãos, mas demoraram a interiorizar as novas crenças. Desde logo a crença na Trindade e o reconhecimento de Jesus Cristo como Messias. (...) Os praticantes ocultos do judaísmo revelavam-se no guardar do sábado; em não comer carne de porco, lebre, coelho, nem peixe sem escama. Jejuavam no dia grande de Setembro (Quipur). Solenizavam as suas Páscoas. Rezavam orações judaicas. Metiam dinheiro na boca dos mortos, cortavam-lhes as unhas e choravam-nos atrás da porta, por dó.
O espião de D. João III e do inquisidor espanhol Lucero, o cristão-novo Henrique Nunes, o Firme Fé, adiantava razões sociais profundas para a tensão entre os cristãos-novos e os cristãos-velhos. Estes, na sua maioria, lavradores, mal vestidos, descalços à chuva, ao sol e ao frio, produziam as novidades do pão, do vinho, pastoreavam os gados, sustentavam o reino. Por seu lado os cristãos-novos, "sem lavrar, semear nem cavar nem plantar vinhas nem olivais", andavam vestidos de pano fino e seda como cortesãos, estavam gordos, frescos e carregados de anéis e jóias de ouro e prata, mesmo sapateiros, e arrematavam as rendas, alçavam-se a juízes, vereadores, escrivães, alcaides. (...)
Esta minoria está presente no alto comércio da pimenta e das drogas, na colonização do Brasil e no negócio do dinheiro. As perseguições de que são alvo por parte da Inquisição levam-nos a fugir e a desenvolver o negócio na Flandres, nas cidades italianas e nas duas margens do Mediterrâneo, sem perderem o pé no espaço ibérico e no dos seus impérios.»
[Borges Coelho, Na Esfera do Mundo, Vol. IV, pág. 120]