« (...) Faltava um mês e meio para a falência do Lehman Brothers. [16Set2008] (...) Em Portugal, os tempos ainda não eram difíceis para a banca, que valia cerca de três vezes mais que a economia do país.
"O setor financeiro, sobretudo a banca, é sem dúvida o mais poderoso da economia portuguesa, e tutela a política económica", explica Nuno Teles , investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Nuno apresentou a sua tese de doutoramento sobre "financeirização da economia".
Esse poder aumentou, graças à moeda única europeia: "O setor financeiro nacional teve a oportunidade de se endividar no exterior, de forma quase ilimitada, a preços muito baixos. Contudo, aliado à tradicional falta de competitividade da nossa indústria, a banca optou por colocar todo este capital disponível em setores onde o seu lucro estava garantido, nomeadamente a construção e imobiliário. A banca financiava o construtor e em seguida financiava o comprador, ficando com o imóvel como garantia."
O resultado foi um endividamento líquido recorde ao exterior, apenas ultrapassado pelo das Seychelles. (...)
Além do crédito com "lucro garantido", a banca apostou na área do "rentismo"(...). São rendimentos de rendas garantidas pelo Estado, como as PPP, em Portugal.
É assim que a crise de Wall Street tem um elo com a crise portuguesa. Os credores da banca portuguesa eram, em grande medida, os mesmos do falido mercado hipotecário norte-americano: os grandes bancos do Norte da Europa. (...)».
« (...) 16 de Março de 2008. O Bear Sterns, 5º maior banco americano, foi salvo in extremis da falência. O seu rival JP Morgan comprou por 2 dólares ações que valiam 172 dólares um ano antes. (...) Numa palavra: subprime.
Os norte-americanos, mesmo aqueles que não tinham documentos, emprego ou qualquer tipo de bens, foram aliciados a contrair empréstimos avultados. Entre 2003 e 2005, pediram emprestados 3,7 biliões de dólares. (...)
Quando o mercado do subprime começou a cair, o Banco Central Europeu e a Reserva Federal americana abriram a bolsa aos bancos, para prevenir o "risco significativo de uma crise bancária". Os bancos usaram essa "liquidez" dada pelos bancos centrais para "aumentarem os seus empréstimos aos países da periferia" na Europa. "A garantia era de que as bancarrotas na Zona Euro seriam impossíveis". (...)
Por essa altura, em Lisboa, também havia reuniões de alto nível. Vítor Constâncio mandou chamar, na terça-feira 30 de Setembro, ao Banco de Portugal, cinco banqueiros: Faria de Oliveira, da CGD, Carlos Santos Ferreira, do BCP, Fernando Ulrich, do BPI, Ricardo Salgado, do BES, e Nuno Amado, do Santander-Totta. A conversa, rigorosamente sigilosa, fora marcada a propósito da crise americana. (...)
A Zona Euro entrou, definitivamente, na espiral da crise, com os resgates à Grécia e à Irlanda, em 2010. Foram os bancos portugueses que, ficando sem liquidez nos mercados interbancários, e impedidos pelo BCE de aceder aos financiamentos com garantias, fizeram pressão no sentido da intervenção da troika. Fizeram-no em privado, durante algum tempo, e convenceram o ministro das Finanças Teixeira dos Santos, e o novo governador do BdP, Carlos Costa. Mas precisaram de pressionar em público para convencer José Sócrates. Judite de Sousa, na TVI, convidou os banqueiros para uma série de entrevistas. "48 horas depois, o primeiro-ministro estava a pedir ajuda financeira", contou a jornalista numa entrevista ao PÚBLICO. "Acabei por, com aquelas entrevistas, fazer parte de uma narrativa que foi meticulosamente preparada pelos banqueiros. (...)
O antigo responsável pelo Lehman Brothers ibérico, o espanhol Luis de Guindos, é (hoje) o ministro da Economia do governo de Madrid. Dois quadros portugueses do gigante falido norte-americano ocupam hoje posições sensíveis: João Moreira Rato é o presidente do IGCP, que gere a dívida pública portuguesa; Deixou o Lehman em Julho de 2008, quando era director executivo. João Quintanilha, que começou a sua carreira na equipa de derivados do Lehman, é hoje membro da consultora Stormharbour, escolhida para assessorar o IGCP na análise dos SWAPS das empresas públicas. (...)» [rev. VISÃO 1072, pág. 36 e seg.]