Num velho arranha-céus colonial morava Irina, uma mulher muito branca que dava aulas na universidade. Ao lado vivia Ngo Diem, um velho vietnamita que cozia os feijõezitos de soja num fogareiro a petróleo. Portugueses, por junto, não eram mais de cinquenta. E tudo o resto eram negros, herdeiros da escravaria.
Eu não me sentia responsável por nada disso, e as mulheres negras não me diziam nada. Mas o comissário proibia as visitas de portugas, por razões de segurança. Um dia resolvi forçar a nota e visitar Irina.
Ela ofereceu-me uma cassete do Vladimir Visotsky, copiada do gravador duma búlgara que morava no patamar de baixo. Era uma voz muito rude e muito funda, duma garganta arranhada por fumo de cigarros e vodka de batata.
Sem perceber uma palavra da música, passei muito tempo a ouvi-la. Tempos depois sumiu-se-me a cassete, alguém a terá levado. Mas não levaram as canções do Visotsky.