Lá fui à Guarda, assistir à apresentação dum trabalho feito a quatro mãos. Elas dizem que só eram duas.
Desde logo tropeço na cidade, que é um despautério de ruínas políticas, culturais e físicas. Mas o pior esperava-me no evento, que se revelou um equívoco, se não se tratou antes dum lapso.
Começou por ser uma performance moderna, como as que se usam agora. A editora é algarvia, e às duas autoras ligou-as o fècebuc, já que uma vive na Guarda e a outra em Matosinhos, uma na serra e a outra à beira-mar. Apresentam-se em cena sentadas em cadeiras, cujas pernas estão atadas por uma corda franciscana. E vão rodando sobre si próprias, presas pela corda, enquanto lêem um texto cujas folhas vão lançando ao vento, uma a uma.
A dada altura, quando a performance acaba, entra em cena a moderadora. Até aí, noventa por cento do discurso perdeu-se, porque nenhuma das figuras tem arcaboiço vocal para se fazer ouvir. A palavra, a puèzia e a sensualidade são o leitmotiv. E todo o evento se reduz a um exercício de faz de conta, de iludir o relógio, de encanar a perna à rã e fazer tempo.
Phoska-se, que é demais, sugere o bom vernáculo! E o que é demais parece mal, acrescenta a vox populi.
Que os deuses nos pertujam se puderem, digo eu, pela boca do meu vizinho! E deixa um cristão de cumprir os seus deveres quaresmais para estar presente!
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- Eu estou por baixo desse gelo. Morta.
- Estilhaça o gelo. Vem à superfície. Tu tens luz, pele macia e branca e branca.
- Quebra-me o gelo das artérias. Nada floresce. A pele está seca. Mesmo que o sol se assome é apenas espelho. Não se vê o rosto. As mãos são galhos para os corvos, a árvore está oca, raízes gritam.
As raízes têm vestígios de seiva. Vai e lambe essa seiva. Deixa que te percorra a linfa e te renove o sangue.
- Que o meu corpo se deixe levar por essa centelha de vida.
- Enche o peito de ar-
- Está gelado. Tenho de parar de respirar e criar guelras. Preciso de respiração braquial. Ou então sorver o ar de boca alheia.
- Respira pelos poros. Por toda a pele. Não sufoques. Degela e cria um imenso oceano. Vais emergir e criar uma ilha. Um hino será criado em teu nome.
- Se houver música nas marchas de silêncio...
Os silêncios têm dentro todas as músicas!
- Conta-me ...
- Contarei.