Portugal está numa puta duma encruzilhada como já não se via há séculos. Desde o tempo da dinastia dos Lavradores e dos Povoadores, que terminou com essa nulidade a que chamaram Fernando o Formoso, o qual não passava dum títere nas mão perversas duma galdéria chamada Leonor Teles. A partir daí foi só cair, mudando a forma, até aos dias de hoje. O povo, como então, é a única saída.
"A existência e o reinado de D. Fernando o Formoso assinalam-se, como os de seu pai, por um amor romântico que, conquanto não fosse tão trágico como a história de Inês de Castro, teve muito maior influência política. D. Fernando foi um rei fraco e frívolo, ainda que ambicioso. Depois de se ter comprometido a casar com Leonor, filha do rei de Aragão, surpreendeu repentinamente todo o mundo com as pretensões aos tronos dos reinos de Castela e Leão, por morte de Pedro, o Cruel. (...) Mas a maioria dos castelhanos, tanto nobres como plebeus, não desejava ver um monarca português no seu trono, e por conseguinte desposaram a causa do bastardo Henrique II de Castela e Leão. A guerra que se seguiu foi vantajosa para o pretendente castelhano, e a luta findou em 1371 por intervenção do papa Gregório XI, quando D. Fernando concordou em desistir das pretensões ao trono de Castela e em casar com D. Leonor, filha de Henrique II.
Mas esse tratado não foi cumprido porque na cerimónia do casamento da sua meia-irmã D. Beatriz, filha de D. Pedro e de Inês de Castro, o rei D. Fernando viu e amou apaixonadamente D. Leonor Teles de Meneses, filha dum fidalgo de Trás-os-Montes e mulher de João Lourenço da Cunha, senhor de Pombeiro. Esta paixão foi a perda do rei, pois tal mulher foi uma espécie de Lucrécia Bórgia portuguesa, contando-se dela casos horríveis que infelizmente são confirmados pelas investigações históricas.
Desde o princípio que Leonor Teles, em vez de repelir as atenções do rei, como mulher casada que era, nutriu um vivo sentimento de vingança contra sua irmã D. Maria Teles, por esta procurar afastá-lo do apaixonado monarca. A despeito dos esforços de sua irmã, D. Leonor tratou de cativar o rei, que na sua cegueira por ela se recusou a casar com a filha de Henrique II de Castela. Esta recusa exasperou o povo de Lisboa, que sabia que os castelhanos não sofreriam em silêncio um tal insulto. Um grande tumulto popular e distúrbios rebentaram imediatamente na cidade.
A história desse motim foi admiravelmente narrada pelo primeiro historiador moderno de Portugal, Alexandre Herculano, numa das suas narrativas históricas. O chefe popular da revolução foi um alfaiate, a cuja voz a populaça investiu contra o palácio de Lisboa, procurando em vão D. Leonor e obrigando o rei D. Fernando a jurar que desposaria a infanta castelhana no próprio dia imediato. Mas D. Fernando escapou-se na mesma noite para Santarém (...).
Mostra este facto a que abismo de degradação os fidalgos portugueses tinham descido, pois que toda a nobreza aquiesceu a esse casamento bígamo, reconhecendo D. Leonor como raínha. (...)
A raínha estava então no apogeu da sua influência; o rei fraco e inconstante era seu escravo, e a tirania que exercia era em extremo odiosa. A sua riqueza era considerável, porque o rei, na sua cegueira, dera-lhe o senhorio de muitas e das mais importantes cidades pertencentes à Coroa. (...)
D.Leonor nem sequer teve o mérito de ser fiel ao seu escravizado esposo, pois que se lançou numa descarada intriga com João Fernandes Andeiro, o antigo embaixador que fora enviado a Inglaterra, persuadindo o rei a fazê-lo conde de Ourém. (...)
D. Leonor simulou a assinatura do rei, numa ordem para os dois serem decapitados ao mesmo tempo. Felizmente para Portugal, o governador do Castelo de Évora onde estavam reclusos recusou-se a obedecer, e o futuro salvador de Portugal escapou à morte. (...)"
[Henry Morse Stephens, Portugal - A História duma Nação, Ed. Alma dos Livros, março 2017]