Não dispondo de um link, transcrevo-a integralmente, com grande vénia ao seu autor, José Vítor Malheiros.
O sonho de Pedro Passos Coelho
Um terço é para morrer. Não é que tenhamos gosto em
matá-los, mas a verdade é que não há alternativa. Se não damos cabo deles,
acabam por nos arrastar com eles para o fundo. E de facto não os vamos
matar-matar, aquilo que se chama matar, como faziam os nazis. Se quiséssemos
matá-los mesmo era por aí um clamor que Deus me livre. Há gente muito piegas,
que não percebe que as decisões duras são para tomar, custe o que custar e que,
se nos livrarmos de um terço, os outros vão ficar melhor. É por isso que nós
não os vamos matar. Eles é que vão morrendo. Basta que a mortalidade aumente um bocadinho
mais que nos outros grupos. E as estatísticas já mostram isso. O Mota Soares
está a fazer bem o seu trabalho. Sempre com aquela cara de anjo, sem nunca se
desmanchar. Não são os tipos da saúde pública que costumam dizer que a pobreza
é a coisa que mais mal faz à saúde? Eles lá sabem. Por isso joga tudo a nosso
favor. A tendência já mostra isso, e o que é importante é a tendência. Como
eles adoecem mais, é só ir dificultando cada vez mais o acesso aos tratamentos.
A natureza faz o resto. O Paulo Macedo também faz o que pode. Não é genocídio,
é estatística. Um dia lá chegaremos, o que é importante é que estamos no
caminho certo. Não há dinheiro para tratar toda a gente e é preciso fazer
escolhas. E as escolhas implicam sempre sacrifícios. Só podemos salvar alguns,
e devemos salvar aqueles que são mais úteis à sociedade, os que geram riqueza.
Não pode haver uns tipos que só têm direitos e não contribuem com nada, que não
têm deveres.
Estas tretas da democracia e da educação e da saúde para
todos foram inventadas quando a sociedade precisava de milhões e milhões de
pobres para espalhar estrume e coisas assim. Agora já não precisamos e há
cretinos que ainda não perceberam que, para nós vivermos bem, é preciso podar
estes sub-humanos.
Que há um terço que tem de ir à vida não tem dúvida nenhuma.
Tem é de ser o terço certo, os que gastam os nossos recursos todos e que não
contribuem. Tem de haver equidade. Se gastam e não contribuem, tenho muita pena…
os recursos são escassos. Ainda no outro dia os jornais diziam que estamos com
um milhão de analfabetos. O que é que os analfabetos podem contribuir para a
sociedade do conhecimento? Só vão engrossar a massa dos parasitas, a viver à
conta. Portanto são: os analfabetos, os desempregados de longa duração, os
doentes crónicos, os pensionistas pobres (não vamos meter os velhos todos porque nós não somos animais e temos os nossos pais e os nossos avós), os sem-abrigo, os pedintes e os
ciganos, claro. E os deficientes. Não são todos. Mas se não tiverem uma família
que possa suportar o custo da assistência não se pode atirar esse fardo para
cima da sociedade. Não era justo. E temos de promover a justiça social.
O outro terço temos que os pôr com dono. É chato ainda
precisarmos de alguns operários e assim, mas esta pouca-vergonha de pensarem
que mandam no país só porque votam tem de acabar. Para começar, o país não é
competitivo com as pessoas a viverem todas decentemente. Não digo voltar à
escravatura – é outro papão de que não se pode falar – mas a verdade é que as
sociedades evoluíram muito graças à escravatura. Libertam-se recursos para
fazer investimentos e inovação para garantir o progresso, e permite-se o ócio
das classes abastadas, que também precisam. A chatice de não podermos eliminar
os operários como aos sub-humanos é que precisamos destes gajos para fazerem
algumas coisas chatas, e para mais (por enquanto) votam, ainda que a maioria deles
ou não vote, ou vote em nós. O que é preciso é acabar com esses direitos
garantidos, que fazem com que eles trabalhem o mínimo e vivam à sombra da
bananeira. Eles têm de ser aquilo que os comunistas dizem que eles são:
proletários. Acabar com os direitos laborais, a estabilidade do emprego,
reduzir-lhes o nível de vida de maneira que percebam quem manda. Estes têm de
andar sempre borrados de medo: medo de ficar sem trabalho e passar a ser
sub-humanos, de morrer de fome no meio da rua. E enchê-los de futebol e
telenovelas e reality shows para os anestesiar, e para pensarem que os filhos
deles vão ser estrelas de hip-hop e assim.
O outro terço são profissionais e técnicos, que produzem
serviços essenciais, médicos e engenheiros, mas estes estão no papo. Já os
convencemos de que combater a desigualdade não é sustentável (tenho de mandar uma caixa de charutos ao Lobo Xavier), que para eles
poderem viver com conforto não há outra alternativa que não seja liquidar os
ciganos e os desempregados e acabar com o RSI, e que para pagar a saúde deles
não podemos pagar a saúde dos pobres. Com um terço da população exterminada, um
terço anestesiado e um terço comprado, o país pode voltar a ser estável e
viável.
A verdade é que a pegada ecológica da sociedade actual não é
sustentável. E se não fosse assim não poderíamos garantir o nível de luxo
crescente da classe dirigente, onde eu espero estar um dia. Não vou ficar em
Massamá a vida toda. O Ângelo diz que, se continuarmos a portar-nos bem, um dia
nós também vamos poder pertencer à elite.