sábado, 29 de setembro de 2012

Gaivota em terra

Íamos à escola os dois. E ao fim da tarde, estendidos ao sol no alpendre de pedra, fazíamos os deveres nos cadernitos pardos de papel costaneira. Depois era o assalto da cozinha, alguma coisa haveria para matarmos a fome, a minha ocasional, a dele persistente.
Fazia-me confusão o capricho do David em manejar o giz à mão canhota. E doíam-me as varadas com que a professora o corrigia. Ele acabou por forçar a mão direita, e lá ia desenhando letras hesitantes e algarismos trôpegos. Mas não chegou a derrotar um tamanho Golias.
Quando lhe chegou a altura fez-se marinheiro, que o bombordo era já nele o lado natural. Mas saudava o comandante com a direita, e fazia à esquerda os cálculos do rancho da equipagem da corveta.
Um dia reformou-se, deu um jeito na casa da mulher e é onde vive. Mas nunca se libertou das saudades do mar, naquele exacto momento em que chegava a porto seguro e punha outra vez o pé em terra firme. Foi assim que plantou no jardinzito um cedro, puxou duma tesoura, e fez dele o convés duma corveta nova. Todos os dias desembarca dela.