sábado, 1 de setembro de 2012

Mestre Santos

O Santos atura um gancho como ajudante de farmácia, para a cobertura fiscal. Mas a sua verdadeira actividade começa às seis da tarde. É especialista em luxações, entorses, tendinites, em casos de pulso aberto e espinhela caída. Já não é o primeiro físico encartado que lhe pede uma consulta. E os pacientes comuns fazem bicha no pátio da vivenda, muito antes de ele chegar a cavalo na moto, a estrondear petardos no arrabalde.
Atende-os no rés-do-chão, enquanto o dia durar. E na sala de espera tem fotos do James Dean penduradas nas paredes, entre cursos de massagem desportiva e diplomas de fisioterapeuta. A um canto há uma gravura dum Isaac, e um Abraão de cutelo já nas unhas, e um anjo que ergue a mão sobressaltada, a suspender a bíblica insânia do velho que endoideceu.
Mestre Santos há-de ser o anjo salvador, mas cultiva outras facetas. Numa caricatura mais conservadora, ali dependurada, faz lembrar o Estaline, debaixo da bigodaça. Na outra, de traço mais modernista, é um Trotsky arrebatado.
Em volta há expositores de canetas, e colecções numismáticas, e relógios de bolso com tampa basculante. Quem se divertiu a vê-las foi esta adolescente, e mais a prima, que agora se sentaram no sofá. Ela conta, entusiasmada, as peripécias da parva da stôra, que a pôs na rua por lhe chamar paneleira. A tia gorda ri muito, de cadeiras enfaixadas nas calças de licra, e sopra balões de chuinga que faz rebentar no fim, sobressaltando a plateia.
Duas freiras carmelitas entraram com ar sisudo e interrompem a conversa. Padecem de artroses várias, têm fé nas mãos do mestre. E uma vez que foram relaxadas ao braço secular, vêm acompanhadas por uma assistente, a mulher jovem que as trouxe na carrinha do convento.
Mestre Santos manda entrar um paciente. E eu aproveito-lhe a deixa e fujo para o James Dean. Para as ilusões que havia no tempo dele.